sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

350ª Nota - O Nazismo: um movimento de esquerda ou de direita?


Sob o título de "Socialismo no Nacional Socialismo" ou "A falsa interpretação marxista do movimento nazista", publicou o tradicional semanário católico inglês "The Tablet", em seu número de 30 de agosto do corrente ano, um esclarecedor estudo em torno da mistificação que vem sendo feita no que tange ao papel revolucionário do nazismo.
Ressurge a questão com o problema do rearmamento da Alemanha Ocidental. Não é somente a ala bevanista do socialismo inglês que se mostra contrária a esse rearmamento, fazendo assim o jogo soviético. Também o sr. Attlee, em recente debate na Câmara dos Comuns, inflamado de zelo democrático e de amor por seus irmãos os socialistas teutos, manifestou os seus receios de que através do rearmamento alemão os infames capitalistas promovam o renascimento do nazismo, apontando mesmo o perigo de que, ao se organizar um exército de voluntários na República de Bonn, "o elemento nazista seja o primeiro a se alistar".

A UNIFORMIDADE COLETIVISTA

Ora, a argumentação do líder trabalhista britânico encobre uma grande ignorância ou uma enorme hipocrisia a respeito do fundo ideológico da luta política e social de nossos dias. E como mesmo no Brasil está reaparecendo a aliança do nacionalismo com o socialismo, torna-se muito oportuno resumir para os nossos leitores o mencionado artigo do "Tablet".
A conexão desses erros teve inicio com o seu próprio aparecimento há cento e cinqüenta anos atrás, recebeu sua forma final em meados do século passado, quando o socialismo começou a espalhar-se sob o aspecto "internacional". Foi a Revolução Francesa que deu ímpeto ao esquerdismo na Europa, e a essência real do esquerdismo deve ser procurada não tanto em uma filosofia materialista, mas na tendência "identitária" que deseja transformar a humanidade (ou uma parte específica da humanidade) segundo linhas uniformistas e coletivistas. A concretização de tal programa visionário, que se baseia em um molde específico, somente é possível através da captura do governo por um partido ("o" partido) que então se entrega à faina brutal de refazer a sociedade pela coerção.

AS ORIGENS ESQUERDISTAS DO NAZISMO

Nestas considerações temos que achar a chave dos erros cometidos tão freqüentemente pelos elementos "progressistas" que mostram pendores para o socialismo.
O nacional-socialismo, como frisou um de seus aderentes da primeira hora, é "a síntese de duas grandes forças deste país — nacionalismo e socialismo" (Prof. J. Pfitzner, executado em 1945). Os aspectos sinônimos das expressões "nacionalização" e "socialização" por si sós nos deveriam dar uma pista para descobrir a verdade nessa questão. Na própria gênesis do Partido Nazista as forças da esquerda (muito mais que as da direita) foram responsáveis pelo seu nascimento. De início tomando corpo como Partido dos Trabalhadores Germânicos (DAP), organizado na Boemia e Morávia para competir com o Partido Nacional Socialista Checo (estabelecido por socialistas vermelhos depois de um cisma), finalmente aceitou o rótulo "Nacional Socialista" em maio de 1918, isto é, antes do Armistício. Transplantado para a Alemanha, mas fracassando na católica Baviera em 1923, conquistou o Reich através de uma série de vitorias eleitorais no Norte e no Nordeste. Copiando a técnica do Partido Social Democrático (socialista), mobilizou os não-votantes habituais bem como os elementos dos partidos democráticos. Mantendo sua estrutura de infra-classe média, penetrou extensamente nas classes trabalhadoras.

A FÁBULA CAPITALISTA

Gustav Stolper, um refugiado austríaco falecido na América do Norte, foi talvez o primeiro a assinalar, em um livro muito oportuno ("Esta Era de Fábulas", Nova York, 1942), que a apresentação do nazismo como a derradeira linha de defesa do capitalismo moribundo, foi um esforço desesperado para explicar o fenômeno nazista em termos marxistas. Stolper recordava a seus leitores que a vasta maioria dos intelectuais refugiados da Alemanha hitlerista pertenciam ao campo marxista (socialista e comunista), e que esses homens não tinham outra explicação "ortodoxa" da ascensão de uma ideologia que os tornou sem pátria, senão no velho chavão de todos os marxistas fanáticos, ou seja, o capitalismo. Com efeito, o nazismo, a seus olhos, não podia passar de produto traiçoeiro dos infames capitalistas, que deviam ter "financiado" essa monstruosidade.
É bem verdade que certos homens de negócio alemães de fato contribuíram com algum dinheiro para o Partido Nazista, do mesmo modo que os taverneiros americanos nos dias da Proibição estipendiaram os gângsteres e contrabandistas de bebidas de modo a deles receber "proteção". E o fato de dinheiro judaico haver sido canalizado para os mesmos fins poderia servir para sublinhar o drama de minorias em um sistema democrático em que grandes contingentes de eleitores habilmente manobrados poderiam "retirá-las do negocio". Aliás é um assunto que merece estudo à parte, este da ajuda prestada por capitalistas hebraicos à causa do nazismo. Não obstante, Stolper muito claramente demonstra que a ajuda financeira desses homens de negócio foi sensivelmente menor que a fornecida pelas massas que tomaram cartões de inscrição no Partido e regularmente pagaram suas contribuições.

NAZISMO E "ASCENSÃO DAS MASSAS"

O nazismo nunca foi uma conspiração de junkers de sangue azul, de nédios sacerdotes e de generais de galões dourados contra o "homem comum", mas, muito pelo contrário, foi uma revolução insuflada nas massas alemãs contra suas elites que, além do Primeiro e do Segundo Estados, também incluíam uma coorte de intelectuais e artistas, odiados por motivo de seus aspectos esotéricos e "antidemocráticos", e, finalmente, o que se convencionou chamar de "plutocracia". Os nazistas constituíam o partido da "vasta maioria" ( votações maciças de noventa por cento) aliciada contra as minúsculas, pouco populares minorias; o partido das "luzes" do século XIX e do kulturkampf contra os valores permanentes da tradicional civilização cristã que sempre foi pela liberdade, pela diversidade, pela personalidade e pela perenidade, contra a escravidão, contra o coletivismo, contra a uniformidade.
Permanecem de pé corno fatos incontestáveis o contubérnio do nazismo com um materialismo biológico e com uma noção barata de ciência, e sua tendência sedentariamente urbana e anti-agrária. É verdade que o nazismo atacou a propriedade preferentemente de modo diverso do usual padrão socialista — não pelo confisco, mas pela fusão do próprio conceito de propriedade na fornalha incandescente de um autêntico Estado totalitário, tornando-se os proprietários meros mordomos ou administradores de suas "propriedades". Mas, do mesmo modo que o esquerdismo liberal da Revolução Francesa, começou os confiscos diretos pela usurpação dos bens da Igreja.

NAZISMO, PRECURSOR DA BOLCHEVIZAÇÃO DAS MASSAS

A estas considerações do Tablet podemos acrescentar que a 19 de outubro de 1936 o jornal católico holandês "Maasbode" denunciava o nazismo como o "precursor da bolchevização das massas", transcrevendo uma carta-aberta de Goebbels (publicada no órgão oficial do Partido Nazista, "Voelkische Beobachter") endereçada ao chefe comunista em Moscou, do teor seguinte: "Nós nos combatemos reciprocamente, sem sermos verdadeiramente inimigos. Assim fazendo, malbaratamos nossas forças e jamais alcançaremos nossos fins. Pode ser que a extrema necessidade nos aproxime. Pode ser! Nós, jovens, carregamos conosco a sorte das gerações futuras. Não o esqueçamos jamais. Eu vos saúdo!"
E acrescentava o "Maasbode" que o nazismo não combatia o bolchevismo como tal, mas o comunismo enquanto sistema concorrente na política interna, e a Rússia soviética como um adversário no tabuleiro do xadrez internacional.
Todo o "folclore" dos nazistas pertencia à extrema-esquerda — sua bandeira vermelha não menos que seu anticlericalismo, seu ódio à tradição não menos que o emocionalismo que os liga diretamente às seitas ferozmente esquerdistas, milenaristas e radicais do passado.

IRRESISTÍVEL PENDOR PARA A ESQUERDA

Por todas estas razões prossegue o Tablet não é mera coincidência que zelotes da primeira hora do nazismo tenham sido largamente absorvidos pelos partidos da esquerda após 1945. É altamente significativo que muitos nazistas austríacos tenham achado refúgio congenial no "Partido Independente" (VdU) cujos membros na última eleição presidencial tornaram possível a vitória de um candidato socialista (metade dos Independentes se abstiveram e um terço deu seus votos ao socialismo). Na Alemanha foi o líder socialista Dr. Schumacher, mais que qualquer outro, que se tornou porta-estandarte do nacionalismo alemão (e do socialismo) com suas crescentes animosidades esquerdistas contra muitas formas da ordem cristã, e especialmente da tradição católica. Aliado ao pastor Niemoeller (que, por seu lado, lança lânguidos olhares para leste), se mostrava amargamente hostil à aliança com o Ocidente e se opunha às mais práticas soluções para o problema do rearmamento alemão. Desse modo uma aliança entre os Sociais Democratas (socialistas) e os novos partidos nacionalistas da extrema direita (leia-se: extrema esquerda) não é nada impossível. Os internacionalistas e os nacionalistas uniriam suas forças contra aqueles que pensam em termos do Ocidente cristão. E quem teria a ganhar com isto senão Moscou?
O sr. Attlee não deve dirigir sua lança contra moinhos de vento, mas contra os verdadeiros continuadores e cultivadores da nefasta obra nazista: os correligionários do trabalhismo britânico na Alemanha ocidental, os socialistas.

(Excerto extraído da Revista Catolicismo)