terça-feira, 5 de dezembro de 2017

346ª Nota - Que é a Beleza?


A Beleza consiste, portanto, na aquisição da Sabedoria que, por sua vez, é a instalação da ordem na vida, a paz interna, a felicidade do mundo espiritual autônomo e independente do agir no mundo.

Essa ênfase estoica na filosofia moral não era novidade no Ocidente. Fazia parte da tradição socrático-platônica considerar os temas filosóficos sob o prisma metafísico do Bem, da Verdade e do Belo. Essa tendência foi acentuada pelo Neoplatonismo (sécs. III-VI). Plotino (c. 205-270), filósofo grego, talvez o mais proeminente pensador entre os neoplatônicos, dedicou um capítulo de suas Enéadas (Ἐννεάδες) ao Belo. Ele dirige-se à visão, embora haja, de fato, uma beleza para a audição (pois a melodia e o ritmo são belos). Beleza é a simetria das partes e suas cores. Mas as mentes que se elevam para além dos sentidos encontram uma beleza superior, a beleza da conduta de uma vida correta – em atos, em caráteres, em virtudes. E tudo o que é relacionado à alma é belo.

Ademais, a justiça e a temperança são mais belas que a aurora e o crepúsculo, mas só podem ser apreciadas por aqueles que veem com os olhos da alma. Esses conseguem experimentar um deleite, uma alegria, um assombro: estão a contemplar o verdadeiro reino da Beleza. Lá encontra-se a alma honesta, a que é justa, nobre, digna, calma, pura de costumes (isto é, recatada, modesta), serena, impassível. Essa alma, purificada, torna-se uma forma e uma razão. Essa beleza da alma é a existência real, a verdadeira realidade. O resto, corpóreo, não é real, mas um mundo de sombras, traços, imagens irreais.

O mundo material das belezas corporais parece relegado mais decisivamente a ser imagem, traço, sombra, espectro da verdadeira beleza. Por isso, o homem deve habituar sua alma à contemplação das belas ocupações, das belas obras, e especialmente das almas daqueles que realizam essas belas obras. A beleza atrelada ao bem (ordem moral) é também um imperativo. Por isso, o símbolo maior da feiúra é a alma dissoluta e injusta, cheia de concupiscências e desequilíbrios – alma covarde, mesquinha, invejosa, infectada pelo deleite dos prazeres impuros das paixões corporais (Enéadas, I, 5).

Com Plotino já está esboçada a tríade que marcará profundamente todo o pensamento medieval: Unum, Verum, Bonum. A beleza decorre da consideração desses transcendentais. Tais esferas de valor estavam integradas, completavam-se e não podiam separar-se. Por fim, para contemplar retamente a beleza – das criaturas e da natureza – haveria uma única exigência por parte da mente contemplativa (muito mais tarde definida belamente por Dante Alighieri [1265-1321]): um olhar claro e uma mente pura (“con occhio chiaro e con affetto puro”, Paraíso, Canto VI, 87).

(Extraído do sítio Ricardo Costa – Idade Média)