terça-feira, 19 de dezembro de 2017

352ª Nota - Entorpecimento espiritual: raiz dos males atuais


Fique bem claro, caros filhos, que, na raiz dos males atuais e de suas funestas consequências, não está, como antes da vinda de Cristo ou nas regiões pagãs, a ignorância invencível dos destinos eternos do homem e das vias fundamentais para atingi-los, mas antes a letargia de espírito, a anemia de vontade, a frieza dos corações. Os homens atingidos por esse contágio tendem, para se justificar, a rodear-se das antigas trevas e procuram um pretexto em novos e antigos erros. É pois sobre suas vontades que é preciso agir (Pio XII, em Exortação aos fiéis de Roma, de 10-11-1952).

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

351ª Nota - O verdadeiro sentido da peregrinação


Catolicismo n° 22, outubro de 1952

RECEBENDO em Castelgandolfo um grupo de “Companheiros da São Francisco”, que partiam a pé para Assis em comemoração do 25º aniversário de sua associação, o Santo Padre Pio XII dirigiu-lhes palavras em que recorda o verdadeiro sentido e a utilidade espiritual da peregrinação. Disse Sua Santidade:

“Restituir ao século do automóvel, da estrada de ferro, do avião, a noção do alto significado espiritual da peregrinação, da estrada tenazmente palmilhada rumo às alturas consagradas pelo heroísmo dos Santos, eis certamente uma empresa digna dos grandes séculos de fé.

Nossos contemporâneos perderam muitas vezes, juntamente com a noção do sobrenatural, o senso das belas obras da criação, sobretudo dos lugares e coisas santificados pelas almas de escol, por aqueles que Deus marca com o Seu sinal e encarrega de transmitir a seus irmãos os dons do céu. A exemplo de Francisco de Assis, procurais reencontrar esta primeira manifestação da bondade e da grandeza de Deus pela contemplação de Sua obra. Ides reaprender fielmente esta grande lição nos lugares animados outrora por sua presença, diante das paisagens que o auxiliaram a elevar-se para o Senhor.

Vós ides sobretudo como peregrinos, ansiosos por ali renovar vossas profundas energias e por rejuvenescer vossas almas nesta fonte sempre fresca que São Francisco fez jorrar sobre a terra da Úmbria.

Uma tal meta não se pode atingir sem uma intensa preparação espiritual. De vossa parte, haveis escolhido a da peregrinação, tão tradicional e ao mesmo tempo tão eficaz. A peregrinação é uma longa caminhada, que começa por uma separação. Deixa-se sua própria região, a vida de todos os dias, esquece-se todas as lembranças banais ou mesquinhas, que entravam e freiam os melhores impulsos. E toma-se corajosamente a estrada. Renuncia-se às fáceis certezas da refeição, do alojamento; domina-se a fadiga. A oração abre então mais facilmente seu caminho para Deus. Quando o descanso reúne os companheiros, um fervor íntimo enriquece as almas, e difunde-se dentro em pouco ao uníssono de uma prece, de um canto, de uma troca de pensamentos e de sentimentos. Ela se exalta sobretudo, em uma tensão toda recolhida, ao redor do altar, quando o Corpo de Cristo oferecido em sacrifício vem alimentar o cristão em marcha para o Senhor.

A peregrinação reeduca em vós o espírito de penitência, o sentido da Providência e da confiança em Deus. Ela vos relembra mesmo, pode-se dizê-lo, o sentido da vida: um desapego do presente, das alegrias e tristezas de que se tecem vossos dias, para avançar rumo a um termo cujo atrativo vos fascina. Mas impossível de lá chegar sem uma renúncia à facilidade, às comodidades, e sobretudo sem guardar viva no fundo do coração a esperança que sustem vosso esforço. Os jovens cristãos compreenderam hoje em dia que escola de formação espiritual encontrariam neste caminhar. Não um caminhar profano, onde só se, procura a união com a natureza, mas um caminhar santificado pela oração e pela caridade”.


Nota: Nas peregrinações medievais notava-se não somente pessoas sãs que transpunham frequentemente a pé grandes distâncias, mas também doentes que se expunham corajosamente às intempéries e às fadigas, transportados em veículos primitivos. 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

350ª Nota - O Nazismo: um movimento de esquerda ou de direita?


Sob o título de "Socialismo no Nacional Socialismo" ou "A falsa interpretação marxista do movimento nazista", publicou o tradicional semanário católico inglês "The Tablet", em seu número de 30 de agosto do corrente ano, um esclarecedor estudo em torno da mistificação que vem sendo feita no que tange ao papel revolucionário do nazismo.
Ressurge a questão com o problema do rearmamento da Alemanha Ocidental. Não é somente a ala bevanista do socialismo inglês que se mostra contrária a esse rearmamento, fazendo assim o jogo soviético. Também o sr. Attlee, em recente debate na Câmara dos Comuns, inflamado de zelo democrático e de amor por seus irmãos os socialistas teutos, manifestou os seus receios de que através do rearmamento alemão os infames capitalistas promovam o renascimento do nazismo, apontando mesmo o perigo de que, ao se organizar um exército de voluntários na República de Bonn, "o elemento nazista seja o primeiro a se alistar".

A UNIFORMIDADE COLETIVISTA

Ora, a argumentação do líder trabalhista britânico encobre uma grande ignorância ou uma enorme hipocrisia a respeito do fundo ideológico da luta política e social de nossos dias. E como mesmo no Brasil está reaparecendo a aliança do nacionalismo com o socialismo, torna-se muito oportuno resumir para os nossos leitores o mencionado artigo do "Tablet".
A conexão desses erros teve inicio com o seu próprio aparecimento há cento e cinqüenta anos atrás, recebeu sua forma final em meados do século passado, quando o socialismo começou a espalhar-se sob o aspecto "internacional". Foi a Revolução Francesa que deu ímpeto ao esquerdismo na Europa, e a essência real do esquerdismo deve ser procurada não tanto em uma filosofia materialista, mas na tendência "identitária" que deseja transformar a humanidade (ou uma parte específica da humanidade) segundo linhas uniformistas e coletivistas. A concretização de tal programa visionário, que se baseia em um molde específico, somente é possível através da captura do governo por um partido ("o" partido) que então se entrega à faina brutal de refazer a sociedade pela coerção.

AS ORIGENS ESQUERDISTAS DO NAZISMO

Nestas considerações temos que achar a chave dos erros cometidos tão freqüentemente pelos elementos "progressistas" que mostram pendores para o socialismo.
O nacional-socialismo, como frisou um de seus aderentes da primeira hora, é "a síntese de duas grandes forças deste país — nacionalismo e socialismo" (Prof. J. Pfitzner, executado em 1945). Os aspectos sinônimos das expressões "nacionalização" e "socialização" por si sós nos deveriam dar uma pista para descobrir a verdade nessa questão. Na própria gênesis do Partido Nazista as forças da esquerda (muito mais que as da direita) foram responsáveis pelo seu nascimento. De início tomando corpo como Partido dos Trabalhadores Germânicos (DAP), organizado na Boemia e Morávia para competir com o Partido Nacional Socialista Checo (estabelecido por socialistas vermelhos depois de um cisma), finalmente aceitou o rótulo "Nacional Socialista" em maio de 1918, isto é, antes do Armistício. Transplantado para a Alemanha, mas fracassando na católica Baviera em 1923, conquistou o Reich através de uma série de vitorias eleitorais no Norte e no Nordeste. Copiando a técnica do Partido Social Democrático (socialista), mobilizou os não-votantes habituais bem como os elementos dos partidos democráticos. Mantendo sua estrutura de infra-classe média, penetrou extensamente nas classes trabalhadoras.

A FÁBULA CAPITALISTA

Gustav Stolper, um refugiado austríaco falecido na América do Norte, foi talvez o primeiro a assinalar, em um livro muito oportuno ("Esta Era de Fábulas", Nova York, 1942), que a apresentação do nazismo como a derradeira linha de defesa do capitalismo moribundo, foi um esforço desesperado para explicar o fenômeno nazista em termos marxistas. Stolper recordava a seus leitores que a vasta maioria dos intelectuais refugiados da Alemanha hitlerista pertenciam ao campo marxista (socialista e comunista), e que esses homens não tinham outra explicação "ortodoxa" da ascensão de uma ideologia que os tornou sem pátria, senão no velho chavão de todos os marxistas fanáticos, ou seja, o capitalismo. Com efeito, o nazismo, a seus olhos, não podia passar de produto traiçoeiro dos infames capitalistas, que deviam ter "financiado" essa monstruosidade.
É bem verdade que certos homens de negócio alemães de fato contribuíram com algum dinheiro para o Partido Nazista, do mesmo modo que os taverneiros americanos nos dias da Proibição estipendiaram os gângsteres e contrabandistas de bebidas de modo a deles receber "proteção". E o fato de dinheiro judaico haver sido canalizado para os mesmos fins poderia servir para sublinhar o drama de minorias em um sistema democrático em que grandes contingentes de eleitores habilmente manobrados poderiam "retirá-las do negocio". Aliás é um assunto que merece estudo à parte, este da ajuda prestada por capitalistas hebraicos à causa do nazismo. Não obstante, Stolper muito claramente demonstra que a ajuda financeira desses homens de negócio foi sensivelmente menor que a fornecida pelas massas que tomaram cartões de inscrição no Partido e regularmente pagaram suas contribuições.

NAZISMO E "ASCENSÃO DAS MASSAS"

O nazismo nunca foi uma conspiração de junkers de sangue azul, de nédios sacerdotes e de generais de galões dourados contra o "homem comum", mas, muito pelo contrário, foi uma revolução insuflada nas massas alemãs contra suas elites que, além do Primeiro e do Segundo Estados, também incluíam uma coorte de intelectuais e artistas, odiados por motivo de seus aspectos esotéricos e "antidemocráticos", e, finalmente, o que se convencionou chamar de "plutocracia". Os nazistas constituíam o partido da "vasta maioria" ( votações maciças de noventa por cento) aliciada contra as minúsculas, pouco populares minorias; o partido das "luzes" do século XIX e do kulturkampf contra os valores permanentes da tradicional civilização cristã que sempre foi pela liberdade, pela diversidade, pela personalidade e pela perenidade, contra a escravidão, contra o coletivismo, contra a uniformidade.
Permanecem de pé corno fatos incontestáveis o contubérnio do nazismo com um materialismo biológico e com uma noção barata de ciência, e sua tendência sedentariamente urbana e anti-agrária. É verdade que o nazismo atacou a propriedade preferentemente de modo diverso do usual padrão socialista — não pelo confisco, mas pela fusão do próprio conceito de propriedade na fornalha incandescente de um autêntico Estado totalitário, tornando-se os proprietários meros mordomos ou administradores de suas "propriedades". Mas, do mesmo modo que o esquerdismo liberal da Revolução Francesa, começou os confiscos diretos pela usurpação dos bens da Igreja.

NAZISMO, PRECURSOR DA BOLCHEVIZAÇÃO DAS MASSAS

A estas considerações do Tablet podemos acrescentar que a 19 de outubro de 1936 o jornal católico holandês "Maasbode" denunciava o nazismo como o "precursor da bolchevização das massas", transcrevendo uma carta-aberta de Goebbels (publicada no órgão oficial do Partido Nazista, "Voelkische Beobachter") endereçada ao chefe comunista em Moscou, do teor seguinte: "Nós nos combatemos reciprocamente, sem sermos verdadeiramente inimigos. Assim fazendo, malbaratamos nossas forças e jamais alcançaremos nossos fins. Pode ser que a extrema necessidade nos aproxime. Pode ser! Nós, jovens, carregamos conosco a sorte das gerações futuras. Não o esqueçamos jamais. Eu vos saúdo!"
E acrescentava o "Maasbode" que o nazismo não combatia o bolchevismo como tal, mas o comunismo enquanto sistema concorrente na política interna, e a Rússia soviética como um adversário no tabuleiro do xadrez internacional.
Todo o "folclore" dos nazistas pertencia à extrema-esquerda — sua bandeira vermelha não menos que seu anticlericalismo, seu ódio à tradição não menos que o emocionalismo que os liga diretamente às seitas ferozmente esquerdistas, milenaristas e radicais do passado.

IRRESISTÍVEL PENDOR PARA A ESQUERDA

Por todas estas razões prossegue o Tablet não é mera coincidência que zelotes da primeira hora do nazismo tenham sido largamente absorvidos pelos partidos da esquerda após 1945. É altamente significativo que muitos nazistas austríacos tenham achado refúgio congenial no "Partido Independente" (VdU) cujos membros na última eleição presidencial tornaram possível a vitória de um candidato socialista (metade dos Independentes se abstiveram e um terço deu seus votos ao socialismo). Na Alemanha foi o líder socialista Dr. Schumacher, mais que qualquer outro, que se tornou porta-estandarte do nacionalismo alemão (e do socialismo) com suas crescentes animosidades esquerdistas contra muitas formas da ordem cristã, e especialmente da tradição católica. Aliado ao pastor Niemoeller (que, por seu lado, lança lânguidos olhares para leste), se mostrava amargamente hostil à aliança com o Ocidente e se opunha às mais práticas soluções para o problema do rearmamento alemão. Desse modo uma aliança entre os Sociais Democratas (socialistas) e os novos partidos nacionalistas da extrema direita (leia-se: extrema esquerda) não é nada impossível. Os internacionalistas e os nacionalistas uniriam suas forças contra aqueles que pensam em termos do Ocidente cristão. E quem teria a ganhar com isto senão Moscou?
O sr. Attlee não deve dirigir sua lança contra moinhos de vento, mas contra os verdadeiros continuadores e cultivadores da nefasta obra nazista: os correligionários do trabalhismo britânico na Alemanha ocidental, os socialistas.

(Excerto extraído da Revista Catolicismo)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

349ª Nota - Conto de Fadas faz bem às crianças?


“O conto de fadas é acusado de dar às crianças uma falsa impressão do mundo em que vivem. Na minha opinião, porém, nenhum outro tipo de literatura que as crianças poderiam ler lhes daria uma impressão tão verdadeira. As histórias infantis que se pretendem ‘realistas’ tendem muito mais a enganar as crianças.” (C. S. Lewis, in Três maneiras de escrever para crianças)

Segundo Tolkien, os contos de fadas podem oferecer ao espírito humano, além de seu valor literário em si, quatro outras experiências: Fantasia, Recuperação, Escape e Consolo.

A Fantasia é uma forma de arte derivada da Imaginação, que visa a produzir imagens que não estão presentes no que Tolkien chama de Mundo Primário (a realidade de fato) e a liberdade de dominação dos “fatos” observados, ou seja, do fantástico. Afirma também que a Fantasia é o poder de produzir Encantamento, e que não afronta a razão.

“A Fantasia é uma atividade humana natural. Certamente ela não destrói, muito menos insulta, a Razão; e não abranda o apetite pela verdade científica nem obscurece a percepção dela. Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara for a razão, melhor fantasia produzirá.”

A Recuperação é um modo de readquirirmos o deslumbramento, a admiração pelas coisas que se tornaram corriqueiras em nossos dias, coisas com as quais não nos importamos mais, mas que carregam em si mesmas o mistério da vida. (...) Perceber por meio da Fantasia, o quão maravilhoso é o mundo enquanto criação de Deus, que as coisas simples da natureza, com as quais lidamos no dia a dia – uma flor, um gramado verde vivo após a chuva (ou a chuva mesma) –, são de uma beleza inconteste, que nos levam àquilo que Chesterton disse tão bem-humoradamente: “Eu sempre acreditava que o mundo envolvia uma mágica: agora achava que talvez ele envolvesse um mágico”.

O Escape envolve uma ligeira sutileza. Escape não é a mesma coisa que escapismo. Com essa distinção Tolkien quer dizer que não se pode confundir “o escape do prisioneiro com a fuga do desertor”. Sua concepção de escape trata do desejo de ultrapassar o ordinário, e muitas vezes aterrador, cotidiano.

Por fim, o Consolo, mais precisamente o Consolo do Final Feliz. Tolkien diz que assim como a Tragédia é verdadeira forma do Drama, o Consolo do Final Feliz é a verdadeira forma das histórias de fadas. Para facilitar a compreensão do conceito, Tolkien criou um termo: Eucatástrofe (boa catástrofe), que é a mudança repentina de uma situação de revés ao final de uma história; a alegria do final feliz, que, diferente de ser “escapista” ou “fugitiva”, demonstra uma graça repentina, um milagre. E arremata dizendo que a própria História Cristã é a maior eucatástrofe concebível; que o nascimento de Cristo é a eucatástrofe da história do Homem, e a ressurreição é a eucatástrofe da história da Encarnação. 

(Ficção científica contra o cientificismo: teologia e imaginação moral na trilogia cósmica de C. S. Lewis, 2016, de Paulo Cruz) 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

348ª Nota - Santo Tomás de Aquino confirma a posição sedevacantista


Santo Tomás de Aquino (1225-1274) é o maior de todos os doutores da Igreja. É chamado “Doutor Comum”, “Doutor Angélico” ou “Anjo da Escola”, em razão da excelência de sua doutrina. Foi exaltado frequentemente pelos Papas.
“Tomás, sozinho, iluminou mais a Igreja do que todos os outros doutores. Sua doutrina somente poderia ter vindo por uma ação milagrosa de Deus” (João XXII na bula de canonização).

Que nos ensina esse doutor quase tão infalível quanto o Papa? O Doutor Angélico é partidário da infalibilidade absoluta e permanente do Soberano Pontífice:
“A Igreja apostólica (de São Pedro), situada acima de todos os bispos, de todos os pastores, de todos os chefes da Igreja e dos fieis, permanece pura de todas as seduções e de todos os artifícios dos hereges em seus pontífices, em sua fé sempre inteira e na autoridade de Pedro. Enquanto as outras igrejas são desonradas pelos erros de certos hereges, somente Ela reina, apoiada sobre fundamentos inabaláveis, impondo silêncio e fechando a boca de todos os hereges; e nós (...), confessamos e pregamos em união com Ela a regra da verdade e da santa tradição apostólicas.” (Citação de São Cirilo de Alexandria por Santo Tomás de Aquino em sua “Catena Áurea”, em seu comentário sobre o Evangelho de São Mateus, XVI, 18.)

Apoiando-se sobre São Lucas, XXII, 32, o Doutor Comum ensina que a Igreja não pode errar, porque o Papa não pode errar, e, portanto, não pode promover o erro nem a heresia.
A Igreja universal não pode errar, pois Aquele que é ouvido em tudo por força de sua dignidade disse a Pedro, sobre a profissão de fé em que a Igreja é fundada: ‘Eu roguei por ti para que tu fé não vacile jamais’” (Suma Teológica, II-II, q. 1, a. 10).
“Uma vez que as coisas foram decididas pela autoridade da Igreja universal, quem se recusar obstinadamente a submeter-se a esta decisão, seria herege. Esta autoridade da Igreja reside principalmente no soberano Pontífice. Pois foi dito (Decreto XXIV, q. I. c. 1.2): ‘Todas às vezes que uma questão de fé é agitada, penso que todos nossos irmãos e todos nossos colegas no episcopado somente devem se remeter a Pedro, a saber, pela autoridade de seu nome e de sua glória’”.
Nem os Agostinhos, nem os Jerônimos, nem nenhum outro doutor defendeu sentimento contrário a sua autoridade. É por isso que São Jerônimo dizia ao Papa São Dâmaso (in expo. Symbol.): “Tal é a fé, Santíssimo Padre, que aprendemos na Igreja Católica: se em nossa exposição se encontrar alguma coisa pouco exata ou pouco segura, nós te rogamos que a corrija, tu que possuis a fé e a Sede de Pedro. Porém, se nossa confissão recebe a aprovação de vosso julgamento apostólico, quem quiser me acusar provará que é ignorante ou mal intencionado, ou que não é católico, e não provará que sou herege” (Suma Teológica, II-II. q. 11. a. 2).

“É necessário ater-se à sentença do Papa, a quem pertence o pronunciar-se sobre matéria de fé, muito mais que a opinião de todos os sábios” (Quaestiones quodlibetales q. 9 a 16).

No Salmo XXXIX, 10, está escrito: “Eu anuncie a Tua justiça na grande assembleia”. Eis o comentário de Santo Tomás: “O salmista falou ‘em grande assembleia’, isto é, na Igreja Católica, que é grande por seu poder e firmeza: ‘As portas do Inferno não prevalecerão contra ela’” (S. Mateus, XVI, 18)

Esta firmeza, a Igreja a deve em primeiro lugar à fé sem falha do Pontífice Romano como é explicado em um dos opúsculos do santo doutor: “A Igreja é Una, Santa, Católica e Firme. (...) Quarto: Ela é firme. Uma casa é firme: 1) quando suas fundações são sólidas. A verdadeira fundação da Igreja é Cristo (1 Coríntios, III, 2) e os doze apóstolos (Apocalipse, XXI, 14). Para sugerir a firmeza, Pedro é chamado de rocha. 2) A firmeza de uma casa se manifesta também quando não pode ser derrubada por uma sacudida. A Igreja não pode ser derrubada nem pelos perseguidores, nem pelas seduções do mundo, nem pelos hereges. Segundo São Mateus, XVI, 18, as ‘portas do inferno’ (= hereges) podem triunfar sobre tal ou qual igreja local, porém não contra a Igreja de Roma donde reside o Papa. É por esta razão que somente a Igreja de Pedro permanecerá sempre firme na fé. E enquanto que em outra parte a fé não está completa, ou melhor, mesclada com muitos erros, a Igreja de Pedro, ela, é forte na fé e pura de todo erro, o que não é surpreendente, visto que o Senhor disse a Pedro: ‘Eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça’” (Santo Tomás: Opuscula, opúsculo intitulado Expositio symboli apostolorum, passagem relativa ao artigo “Eu creio... na Igreja Católica” do Símbolo dos Apóstolos).

O ensinamento do Doutor Angélico, por conseguinte, pode se resumir assim: A fé do Papa é de uma firmeza absoluta e permanente. A doutrina do Doutor Angélico deve ser “tida religiosamente” (santa) por todos os professores de seminários (cânon: 1.366, § 2). A Igreja dá a entender por isto o quanto Ela julga necessário que os jovens seminaristas (que mais tarde formarão o baixo e alto cleros) sigam em tudo o Doutor Comum.

São Pio X dizia: “Afastar-se de Santo Tomás é se colocar em grave perigo” (Motu Proprio Sacrorum Antistitum, 1º de setembro de 1910).

Ademais: “Aqueles que se afastam de Santo Tomás são por causa disto levados a tal ponto que se arrancam da Igreja” (Carta Delata Nobis, 17 de novembro de 1907, dirigida ao padre Thomas Pègues).

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

347ª Nota - Santo Tomás de Aquino e o Sedevacantismo


“A Igreja apostólica (de São Pedro), situada acima de todos os bispos, de todos os pastores, de todos os chefes da Igreja e dos fieis, permanece pura de todas as seduções e de todos os artifícios dos hereges em seus pontífices, em sua fé sempre inteira e na autoridade de Pedro. Enquanto as outras igrejas são desonradas pelos erros de certos hereges, somente Ela reina, apoiada sobre fundamentos inabaláveis, impondo silêncio e fechando a boca de todos os hereges; e nós (...), confessamos e pregamos em união com Ela a regra da verdade e da santa tradição apostólicas.”
(Citação de São Cirilo de Alexandria por Santo Tomás de Aquino em sua “Catena Áurea”, em seu comentário sobre o Evangelho de São Mateus, XVI, 18.)

NB: diante disso, como podem ainda muitos admitir e aceitar inconteste que Francisco Bergoglio seja Papa e sua falsa Igreja, a Igreja Católica, Apostólica, Santa e “firme” (como a qualificava o doutor Angélico).

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

346ª Nota - Que é a Beleza?


A Beleza consiste, portanto, na aquisição da Sabedoria que, por sua vez, é a instalação da ordem na vida, a paz interna, a felicidade do mundo espiritual autônomo e independente do agir no mundo.

Essa ênfase estoica na filosofia moral não era novidade no Ocidente. Fazia parte da tradição socrático-platônica considerar os temas filosóficos sob o prisma metafísico do Bem, da Verdade e do Belo. Essa tendência foi acentuada pelo Neoplatonismo (sécs. III-VI). Plotino (c. 205-270), filósofo grego, talvez o mais proeminente pensador entre os neoplatônicos, dedicou um capítulo de suas Enéadas (Ἐννεάδες) ao Belo. Ele dirige-se à visão, embora haja, de fato, uma beleza para a audição (pois a melodia e o ritmo são belos). Beleza é a simetria das partes e suas cores. Mas as mentes que se elevam para além dos sentidos encontram uma beleza superior, a beleza da conduta de uma vida correta – em atos, em caráteres, em virtudes. E tudo o que é relacionado à alma é belo.

Ademais, a justiça e a temperança são mais belas que a aurora e o crepúsculo, mas só podem ser apreciadas por aqueles que veem com os olhos da alma. Esses conseguem experimentar um deleite, uma alegria, um assombro: estão a contemplar o verdadeiro reino da Beleza. Lá encontra-se a alma honesta, a que é justa, nobre, digna, calma, pura de costumes (isto é, recatada, modesta), serena, impassível. Essa alma, purificada, torna-se uma forma e uma razão. Essa beleza da alma é a existência real, a verdadeira realidade. O resto, corpóreo, não é real, mas um mundo de sombras, traços, imagens irreais.

O mundo material das belezas corporais parece relegado mais decisivamente a ser imagem, traço, sombra, espectro da verdadeira beleza. Por isso, o homem deve habituar sua alma à contemplação das belas ocupações, das belas obras, e especialmente das almas daqueles que realizam essas belas obras. A beleza atrelada ao bem (ordem moral) é também um imperativo. Por isso, o símbolo maior da feiúra é a alma dissoluta e injusta, cheia de concupiscências e desequilíbrios – alma covarde, mesquinha, invejosa, infectada pelo deleite dos prazeres impuros das paixões corporais (Enéadas, I, 5).

Com Plotino já está esboçada a tríade que marcará profundamente todo o pensamento medieval: Unum, Verum, Bonum. A beleza decorre da consideração desses transcendentais. Tais esferas de valor estavam integradas, completavam-se e não podiam separar-se. Por fim, para contemplar retamente a beleza – das criaturas e da natureza – haveria uma única exigência por parte da mente contemplativa (muito mais tarde definida belamente por Dante Alighieri [1265-1321]): um olhar claro e uma mente pura (“con occhio chiaro e con affetto puro”, Paraíso, Canto VI, 87).

(Extraído do sítio Ricardo Costa – Idade Média)

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

345ª Nota - Sêneca sobre a felicidade


“Peço-te, Lucílio amigo, age da única maneira possível para obteres a felicidade: repele e despreza aqueles bens que só brilham por fora, que dependem das promessas de fulano ou das benesses de cicrano. Faz do verdadeiro bem o teu alvo, busca a alegria dentro de ti. Que significa ‘dentro de ti’? Significa que a felicidade se origina em ti mesmo, na melhor parte de ti mesmo (...). Se queres saber em que consiste e donde provém o verdadeiro bem, vou dizer-te: consiste na boa consciência, nos propósitos honestos, nas ações justas, no desprezo pelos bens fortuitos, no ritmo tranquilo e constante de uma vida que trilha um único caminho. (...) Raros são os homens que conseguem ordenar reflexivamente a sua vida. Os outros, à maneira de destroços arrastados por um rio, em vez de caminharem deixam-se levar à deriva.”
(Extraído do sítio Ricardo Costa)

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

344ª Nota - Pio XII sobre a formação da consciência cristã e a "moral nova"


Introdução

A FAMÍLIA é o berço onde nasce e se desenvolve a nova vida, que para não perecer necessita ser ensinada e educada: é este um direito e um dever fundamental, conferidos e impostos imediatamente por Deus aos pais. A educação tem, na ordem natural, como conteúdo e fim o desenvolvimento da criança para se tornar um homem completo; a educação cristã tem como conteúdo e fim a formação do novo ser humano, renascido pelo batismo, para que se torne um perfeito cristão. Tal obrigação, que sempre constituiu uma regra e uma honra para as famílias cristãs, é solenemente prescrita pelo cânon 1.113 do Código de Direito Canônico, que declara: “Os pais têm a grave obrigação de velar com todo o cuidado pela educação religiosa e moral, física e cívica de seus filhos, e de prover igualmente ao seu bem estar temporal”.

Tema da alocução

As mais urgentes questões concernentes a um tão vasto assunto foram esclarecidas várias vezes por Nossos Predecessores e por Nós mesmos. Eis porque Nós Nos propomos agora, não repetir o que já foi amplamente exposto, mas sobretudo chamar a atenção sobre um elemento que, se bem que base e apoio da educação, especialmente cristã, ao contrário parece a muitos, à primeira vista, ser-lhe quase estranho. Nós queríamos falar do que existe de mais profundo e intrínseco no homem: sua consciência. Somos levados a tal pelo fato de que certas correntes do pensamento moderno começam a alterar-lhe o conceito e a combater-lhe o valor. Trataremos, pois, da consciência como objeto da educação.

O que é a consciência

A consciência é como que o núcleo mais íntimo e secreto do homem. É lá que ele se refugia com suas faculdades espirituais numa solidão absoluta: só consigo mesmo, ou melhor, só com Deus — cuja voz se faz ouvir pela consciência — e consigo mesmo. É lá que ele se resolve para o bem ou para o mal; é lá que escolhe entre o caminho da vitória e o da derrota. Mesmo que o quisesse, o homem jamais chegaria a desembaraçar-se dela; com ela, quer ela o aprove, quer o condene, percorre todo o caminho da vida, e com ela ainda, testemunha verídica e incorruptível, apresentar-se-á ele ao juízo de Deus. A consciência é, portanto, para tomar uma imagem antiga mas inteiramente justa, um santuário diante do qual todos devem se deter; todos, mesmo o pai e a mãe, sempre que se trata de seu filho. Somente o Padre nela entra, como médico das almas e como ministro do sacramento da Penitência; mas a consciência não deixa de ser um santuário ciosamente guardado, pela preservação de cujo segredo Deus mesmo vela, sob o véu do mais sagrado dos silêncios.

Pode ser realizada uma educação da consciência?

Em que sentido, pois, pode-se falar da educação da consciência? É conveniente se referir a alguns conceitos fundamentais da doutrina católica, para bem compreender que a consciência pode e deve ser educada.
O Divino Salvador trouxe para o homem ignorante e fraco Sua verdade e Sua graça: a verdade para lhe indicar o caminho que conduz a seu fim; a graça para lhe conferir a força de poder atingi-lo.

a — SIM, PELA FORMAÇÃO DA INTELIGÊNCIA INSTRUÍDA NOS MANDAMENTOS
Percorrer este caminho significa, na prática, aceitar a vontade e os mandamentos de Cristo e tornar sua vida conforme com eles, isto é, cada ato interior e exterior que a livre vontade humana escolhe e fixa. Ora, qual é, senão a consciência, a faculdade espiritual que, nos casos particulares, indica à vontade, para que ela os escolha e resolva, os atos que são conformes à vontade divina? Ela é, portanto, o eco fiel, o puro reflexo da regra divina dos atos humanos. De tal sorte que as expressões tais como “o julgamento da consciência cristã”, ou esta outra “julgar segundo a consciência cristã”, têm o seguinte sentido: a regra da decisão última e pessoal para uma ação moral provém da palavra e da vontade de Cristo. Ele é, com efeito, o caminho, a verdade e a vida, não somente para todos os homens tomados em conjunto, mas para cada um tomado individualmente (cfr. Jo. 14,6): ele o é para o homem adulto, ele o é para a criança, ele o é para o jovem.
Segue-se daí que formar a consciência cristã de uma criança ou de um jovem consiste primeiramente em esclarecer seu espírito sobre a vontade de Cristo, sobre a Sua lei, sobre o caminho que Ele lhe indica e, além disto, em agir sobre sua alma, o quanto isto possa ser feito do exterior, a fim de o induzir a cumprir sempre livremente a vontade divina. Eis qual é a mais alta tarefa da educação.

b — TORNANDO A INTELIGÊNCIA DÓCIL AO MAGISTÉRIO DA IGREJA
Mas onde o educador e a criança encontrarão concretamente, facilmente e com certeza, a lei moral cristã? Na lei do Criador impressa no coração de cada um (cfr. Rom. 2, 14-16), e na revelação, isto é, no conjunto das verdades e dos preceitos ensinados pelo Divino Mestre. Todo este conjunto — a lei escrita no coração, ou lei natural, e as verdades e preceitos da revelação sobrenatural — Jesus nosso Redentor o confiou, como o tesouro moral da humanidade, à Sua Igreja, para que Ela o pregue a todas as criaturas, o ilustre e o transmita, intacto e preservado de toda contaminação e erro, de uma geração a outra.

Erros na formação e na educação da consciência cristã

Contra esta doutrina, incontestada durante longos séculos, se erigem hoje dificuldades e objeções às quais é necessário esclarecer.
Na doutrina moral católica, como no dogma, quer-se fazer de qualquer modo uma radical revisão para daí deduzir uma nova ordem de valores.
O primeiro passo, ou para dizer melhor, o primeiro golpe dado sobre o edifício das regras morais cristãs, deveria ser — como o pretendem — desvencilhá-la da vigilância estreita e opressiva da autoridade da Igreja; libertada então das subtilezas e sofismas do método casuístico, a moral seria reconduzida à sua forma originária e à determinação da consciência individual.
Cada pessoa pode ver a que funestas consequências conduziria um tal transtorno nos próprios fundamentos da educação.
Sem acentuar a manifesta inexperiência e imaturidade de julgamento dos que sustentam semelhantes opiniões, é conveniente colocar em evidência o vício capital desta “nova moral”. Submetendo todo critério ético à consciência individual, ciosamente fechada em si mesma e arvorada como juiz absoluto de suas determinações, esta teoria, bem longe de lhe aplainar o caminho, a afasta do verdadeiro caminho que é Cristo.
O Divino Redentor entregou Sua Revelação, da qual as obrigações morais são parte essencial, não aos homens isoladamente, mas à Sua Igreja, à qual Ele deu a missão de os guiar e de guardar fielmente este depósito sagrado.
Do mesmo modo, a assistência divina, destinada a preservar a Revelação de erros e deformações, foi prometida à Igreja e não aos indivíduos. Sábia previdência, pois que a Igreja, organismo vivo, pode assim, com segurança e facilidade, seja esclarecer e aprofundar as verdades igualmente morais, seja aplicá-las, mantendo intacto o essencial, nas condições variáveis de lugar e de tempo. Considere-se, por exemplo, a doutrina social da Igreja, que, surgida para responder a necessidades novas, nada fez senão a aplicação da eterna moral cristã às presentes circunstâncias econômicas e sociais.
Como é, então, possível conciliar a previdente disposição do Salvador, que confiou à Igreja a proteção do patrimônio moral cristão, com uma espécie de autonomia individualista da consciência?
Esta última, subtraída de seu clima natural, não pode produzir senão frutos venenosos, que se reconhecerão pela simples comparação com certas características da conduta tradicional e da perfeição cristãs, cuja excelência é provada pelas obras Incomparáveis dos Santos.

A “nova moral”, acusando a Igreja de rigorismo, acusa de fato o próprio Cristo

A “nova moral” afirma que a Igreja, em lugar de suscitar a lei da liberdade humana e do amor, e de insistir sobre ela como justo estímulo da vida moral, se apoia ao contrário, por assim dizer exclusivamente e com uma rigidez excessiva, sobre a firmeza e a intransigência das leis morais cristãs, recorrendo frequentemente a estes “vós sois obrigados”, “não é permitido”, que têm por demais o tom de um pedantismo aviltante.
Ora, a Igreja quer, ao contrário — e ela o põe expressamente em evidência quando se trata de formar as consciências — que o cristão seja introduzido nas riquezas infinitas da fé e da graça, de um modo persuasivo, a ponto de se sentir inclinado a penetrá-las profundamente.
Entretanto a Igreja não pode deixar de advertir os fieis de que estas riquezas não podem ser adquiridas e conservadas senão pelo preço de obrigações morais precisas. Uma conduta diversa terminaria por fazer esquecer um princípio dominante, sobre o qual sempre insistiu Jesus, seu Senhor e Mestre. Com efeito, Ele ensinou que para entrar no reino dos céus não é suficiente dizer: “Senhor, Senhor”, mas que é preciso que a vontade de Pai Celeste seja cumprida (cfr. Mat. 7,21). Ele falou da “porta estreita” e do “caminho estreito” que conduz à vida (cfr. Mat. 7,13-14), e Ele acrescentou: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque, eu vô-lo declaro, existem muitos que procurarão aí entrar, sem o conseguirem” (cfr. Luc. 13,24). Cristo fixou como pedra de toque e traço distintivo do amor a Ele, a observância dos mandamentos (cfr. Jo. 14, 21-24). Igualmente, ao jovem rico que O interroga, Ele responde: “Se queres entrar na vida, observa os mandamentos”, e à nova pergunta “Quais?", responde: “Não matar! não cometer adultério! não roubar! não prestar falso testemunho! honra teu pai e tua mãe! e ama a teu próximo como a ti mesmo!” Ele estabeleceu como condição a quem O quer imitar, que renuncie a si mesmo e tome cada dia a própria cruz (cfr. Luc. 9,23). Ele exige que o homem esteja pronto a deixar, por Ele e pela Sua causa, tudo o que tem de mais caro, como seu pai, sua mãe, seus próprios filhos, e até o último bem, a própria vida (cfr. Mat. 10, 37-39). Pois Ele acrescenta: “Eu vô-lo digo, a vós, meus amigos, não tenhais medo dos que podem matar o corpo, mas que, isto feito, nada mais podem. Dir-vos-ei o que deveis temer: temei Aquele que, após ter dado a morte, tem o poder de vos lançar no inferno” (cfr. Luc. 12, 4-5).
Foi assim que falou Jesus, o Divino Pedagogo, que sabe certamente, melhor do que os homens, penetrar nas almas e as atrair a Seu amor pelas perfeições infinitas do Seu Coração, bonitate et amore plenum (Ladainha do Sagrado Coração de Jesus).
E São Paulo, o Apóstolo dos gentios, pregou ele diferentemente? Com seu veemente tom de persuasão, revelando o encanto misterioso do mundo sobrenatural, ele expôs a grandeza e o esplendor da fé cristã, as riquezas, o poder, a benção, a felicidade que ela encerra, oferecendo-as às almas como digno objeto da liberdade do cristão e como fim irresistível dos mais puros impulsos de amor. Não é menos verdade que são igualmente dele advertências como esta: “Operai vossa salvação com temor e tremor” (cfr. Phil. 2, 12), e que jorraram desta mesma pena altos preceitos de moral, destinados a todos os fieis, quer sejam de uma inteligência comum, ou almas de uma elevada sensibilidade. Tomando pois como estrita norma as palavras de Cristo e do Apóstolo, não se poderia talvez dizer que a Igreja de hoje em dia tem sido mais vezes levada à condescendência que à severidade? De tal modo que a acusação de opressiva dureza, levantada contra a Igreja pela “moral nova”, vai em primeiro lugar atingir a adorável Pessoa do próprio Cristo.

Outros erros da “moral nova”

a — A CASTIDADE NÃO CONSTITUIRIA DEVER GRAVE PARA OS JOVENS CONSCIENTES também do direito e do dever da Sé Apostólica de intervir, quando é necessário, com autoridade nas questões morais, Nós Nos propusemos, no discurso de 29 de outubro do ano passado, esclarecer as consciências sobre os problemas da vida conjugal. Com a mesma autoridade Nós declaramos hoje aos educadores e à própria juventude: o mandamento divino da pureza da alma e do corpo é igualmente válido sem diminuição para a juventude de hoje em dia. Também ela tem a obrigação moral, e com o auxílio da graça, a possibilidade de se manter pura. Repelimos, pois, como errônea a afirmação dos que consideram inevitáveis as quedas durante os anos da puberdade, quedas estas que, pois, não mereceriam que se fizesse delas grande caso, como se não fossem faltas graves, porque ordinariamente, acrescentam eles, a paixão suprime a liberdade necessária para que um ato seja moralmente imputável.
Pelo contrário, é uma regra obrigatória e sábia que o educador, sem entretanto negligenciar a apresentação aos jovens das nobres qualidades da pureza, de maneira a induzi-los a amá-la e desejá-la por si mesma, inculque sempre claramente o mandamento como tal, com toda sua gravidade e sua importância de lei divina. Ele estimulará assim os jovens a evitar as ocasiões próximas, os encorajará na luta cujo rigor não lhes esconderá, os incitará a aceitar corajosamente os sacrifícios que a virtude exige, e os exortará a perseverar e a não cair no risco de depor as armas desde o começo e de sucumbir sem resistência aos maus hábitos.

b — A MORAL NÃO DEVE VIGORAR SENÃO NA VIDA PRIVADA
Mais ainda que no domínio da vida privada, muitos quereriam hoje em dia excluir a autoridade da lei moral na vida pública, econômica e social, na ação dos poderes públicos no interior e no exterior, na paz e na guerra, como se Deus nestes assuntos nada tivesse a dizer, ao menos de definitivo.
A emancipação das atividades humanas exteriores, como as ciências, a política, a arte, com relação à moral, é por vezes motivada no plano filosófico pela liberdade que a cada uma destas atividades pertence, no respectivo campo, de se governar exclusivamente segundo as próprias leis, se bem que se reconheça que estas concordam de ordinário com as da moral.

c — A ARTE NADA TEM QUE VER COM A MORAL
E no campo da arte, por exemplo, denega-se-lhe não somente qualquer dependência, mas ainda toda relação com a moral, dizendo: a arte é unicamente arte, e não moral ou qualquer outra coisa; ela deve portanto se reger segundo as leis da estética, as quais, se são verdadeiramente tais, jamais se rebaixarão a favorecer a concupiscência.
A autonomia teoria em relação à moral é praticamente uma rebelião contra a moral.

d — OS VÁRIOS RAMOS DA ATIVIDADE HUMANA SE REGEM POR LEIS PRÓPRIAS, E NÃO PELA LEI MORAL
Da mesma maneira falam da política e da economia, que não necessitam tomar conselho de outras ciências, portanto nem mesmo da moral, mas, guiadas pelas suas próprias leis, são por si mesmas boas e justas.
Trata-se, como se vê, de um modo sutil de subtrair as consciências da autoridade das leis morais. Em verdade, não se pode negar que tais autonomias sejam justas, enquanto elas exprimem o método próprio a cada atividade e os limites que separam em teoria suas diversas formas; mas a separação dos métodos não deve significar que o sábio, o artista, o político sejam libertados de toda preocupação moral no exercício de suas atividades, especialmente se elas têm incidências imediatas no domínio da ética, como a arte, a política, a economia. A separação pura e teórica não tem sentido na vida, que é sempre uma síntese, pois que o sujeito único de toda espécie de atividade é o próprio homem, cujos atos livres e conscientes não podem escapar à apreciação moral. E continuando a observar o problema com um olhar largo e prático, que falta às vezes aos filósofos mesmo insignes, tais distinções e autonomias servem, em uma natureza decaída, para apresentar como leis da arte, da política e da economia, o que convém à concupiscência, ao egoísmo e à cupidez.

A “moral nova” é uma rebelião contra a moral

Assim a autonomia teórica relativamente à moral se torna praticamente uma rebelião contra esta, e de outro lado se rompe aquela harmonia inerente às ciências e às artes, que os filósofos desta escola verificam claramente, mas declaram ocasional, apesar de ela, pelo contrário, ser essencial se se a considera com relação ao sujeito que é o homem, e a seu Criador que é Deus.
Eis porque Nossos Predecessores e Nós mesmos, na convulsão da guerra e nos confusos acontecimentos de após-guerra, não cessamos de insistir no princípio de que a ordem querida por Deus abrange a vida inteira, sem excetuar a vida pública, em todas as suas manifestações, persuadidos de que não há nisto qualquer restrição imposta à verdadeira liberdade humana, nem qualquer intromissão na competência do Estado, mas uma segurança contra os erros e os abusos, contra os quais a moral cristã retamente aplicada deve ser uma proteção. Estas verdades devem ser ensinadas aos jovens, e inculcadas em suas consciências pelos que, na família ou na escola, têm a obrigação de assegurar a sua educação, lançando assim o gérmen de um porvir melhor.

Exortação final

Eis o que Nós queremos vos dizer hoje, caros filhos e filhas que Nos escutais, e em vô-lo dizendo, não encobrimos a ansiedade que Nos oprime o coração diante deste formidável problema, onde estão em causa o presente e o futuro do mundo, e o destino eterno de tantas almas. Que reconforto Nos daria a certeza de que partilhais de Nossa ansiedade pela educação cristã da juventude! Educai as consciências de vossos filhos com energia e perseverança. Educai-as para o temor, como para o amor de Deus. Educai-as para amar a verdade. Mas sede antes de tudo, vós mesmos, respeitosos da verdade, e afastai da educação tudo quanto não é autêntico e verdadeiro. Imprimi na consciência dos jovens o puro conceito da liberdade, da verdadeira liberdade, digna e característica de uma criatura feita à imagem de Deus. Ela é coisa bem diferente de dissolução e incontinência; ela é, ao contrário, uma comprovada capacidade para o bem; ela faz com que o homem se decida por si mesmo a querer e cumprir o bem (cfr. Gol. 5,13); ela é o domínio sobre as faculdades, sobre os instintos, sobre os acontecimentos. Ensinai-os a orar e a haurir na fonte da Penitência e da Sagrada Eucaristia o que a natureza não pode dar: a força de não cair, a força de se reerguer. Sintam eles desde sua juventude que sem o auxílio destas energias sobrenaturais, não chegarão a ser nem bons cristãos, nem simplesmente homens honestos, aos quais seja reservada uma vida serena. Mas assim preparados, eles poderão aspirar igualmente ao que há de melhor, eles poderão se dar a esta alta utilização de si próprios, cujo mais alto termo será a honra deles: realizar a Cristo em suas vidas.
Para atender a este fim Nós exortamos todos os Nossos caros filhos e filhas da grande família humana a ser retamente unidos entre si: unidos para a defesa da verdade, para a difusão do Reino de Cristo sobre a terra. Que se expulse toda divisão, que se afaste todo ressentimento; que se sacrifique generosamente - custe o que custar - este bem superior, a este ideal supremo, toda visão particular, toda preferência subjetiva: “se um mal desejo vos sugere outra coisa”, que vossa consciência cristã ultrapasse a toda a prova, de tal sorte que o inimigo de Deus, “no meio de vós, não se ria de vós” (cfr. Dante, Paraíso, 5, 79-81). Que o vigor da sã educação se revele em sua fecundidade em todos os povos que receiam pelo futuro de sua juventude. Assim o Senhor vos concederá, a vós e a vossas famílias, a abundância de suas graças, em penhor das quais Nós vos concedemos com coração paternal a Benção Apostólica.
(Extraído da Revista Catolicismo)

terça-feira, 28 de novembro de 2017

343ª Nota - Como se faz um playboy


1) Dê a seu filho, desde pequenino, tudo o que ele deseja. Assim crescerá pensando que tudo no mundo é dele.
2) Se ele disser palavrões, ache graça. Ele pensará que é muito esperto.
3) Não lhe dê orientação moral. Diga: “Quando tiver 21 anos escolherá por si mesmo a religião que quiser”.
4) Nunca lhe diga “não faça isso”. Ele criará complexos de culpa. Mais tarde, quando for preso como ladrão de carros, diga: “A sociedade o persegue”.
5) Apanhe o que ele jogar no chão. Ele saberá que os outros devem fazer as coisas que lhe competem.
6) Deixe-o ler de tudo. Mas esterilize sua xícara para ele não se contaminar.
7) Discuta diante dele. Quando seu lar desmoronar ele não estranhará.
8) Satisfaça todos os seus desejos, para ele não ser frustrado.
9) Dê-lhe, generosamente, todo o dinheiro que ele quiser.
10) Dê-lhe sempre razão. A polícia e os professores é que o perseguem.
11) Quando estiver perdido, explique que nada mais se pode fazer. E prepare-se para uma vida amarga e de sofrimentos.

Ambientes, Costumes e Civilizações – Como se chegou até isto? (Revista Catolicismo)

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

342ª Nota - Em qual lado devemos ficar?


“Devemos recordar que se todos os homens manifestamente bons estivessem de um lado e todos os homens manifestamente maus do outro, não haveria perigo de que ninguém, e menos ainda dos eleitos, fosse enganado por mentiras sedutoras. São os homens bons, anteriormente muito bons, os que vão fazer o trabalho do Anticristo e os que vão crucificar de novo, desgraçadamente, o Senhor...
Observe esta característica dos últimos tempos, que este engano provirá dos homens bons que estão do lado equivocado.”

Padre Frederick Faber, Sermão para o Domingo de Pentecostes de 1861, citado no P. Denis Fahey,  O Corpo Místico de Cristo no mundo moderno 

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

341ª Nota - Finalidade da Alma


Como a alma é substância invisível, muitos homens não têm conhecimento dela, nem sabem usá-la e ordená-la para a finalidade para a qual foi criada, isto é, lembrar, conhecer e amar a Deus.

Bem-aventurado Raimundo Lúlio, mártir, Livro da Alma Racional, Prólogo

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

340ª Nota - Ser pacífico sem ser pacifista


Da vida de São Bernardino de Siena (1380-1444): A justiça exige, a seu ver, a punição dos culpados; ele quer que os maus, os ladrões, os traidores sejam expulsos da cidade (...). É um dever detê-los em sua obra do demônio, impedi-los de corromper a casa, a cidade, o país, Deus o quer assim.

(...) Ele que tinha trabalhado tanto pela paz, soube evitar o pacifismo a qualquer preço. Grande pacífico, mas de modo nenhum pacifista. Mostrou-o claramente em 1440, quando reanimou os florentinos ameaçados pelo «condottiere» Piccinino, e exortou-os à batalha que foi uma vitória. — («Saint Bernardin de Sienne», por Henri Clouard — Editions Franciscaines, Paris — 1946 — pp. 66 e 78)

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

339ª Nota - Por que estudar latim?




A VERDADEIRA IMPORTÂNCIA DO LATIM

É de todo falso pensar que a primeira finalidade do estudo do latim está no benefício que traz ao aprendizado do português. (...)

Chegados ao Brasil, três eminentes matemáticos de renome internacional, Gleb Wataghin, professor de mecânica racional e de mecânica celeste, Giacomo Albanese, professor de geometria, e Luigi Fantapié, professor de análise matemática, que vieram contratados para lecionar na recém-fundada Faculdade de Filosofia de São Paulo – o professor Wataghin é considerado, no mundo inteiro, um dos maiores pesquisadores de raios cósmicos – cuidaram, logo após os primeiros meses de aula, de enviar um ofício ao então ministro da educação, que na época cogitava de reformar o ensino secundário. Vejamos o que, mais de esperança que de desânimo, continha esse ofício, do qual tive conhecimento antes do seu endereçamento, dada a solicitação dos três grandes professores de uma revisão minha do seu português: “Chegados ao Brasil, ficamos admirados com o cabedal de fórmulas decoradas de matemática com que os estudantes brasileiros deixam o curso secundário, fórmulas que na Itália – os três professores eram catedráticos de diferentes faculdades italianas – são ensinadas somente no segundo ano de faculdade; ficamos, porém, chocados com a pobreza de raciocínio, com a falta de ilação dos estudantes brasileiros; pedimos a vossa excelência que na reforma que se projeta se dê menos matemática e MAIS LATIM no curso secundário, para que possamos ensinar matemática no curso superior”. (...)

Não encontra o pobre estudante brasileiro quem lhe prove ser o latim, dentre todas as disciplinas, A QUE MAIS FAVORECE o desenvolvimento da inteligência. Talvez nem mesmo compreenda o significado de “desenvolver a inteligência”, tal a rudeza de sua mente, preocupada com outras coisas que não estudos.

O hábito da análise, o espírito de observação, a educação do raciocínio dificilmente podemos, pobres professores, conseguir de um estudante preocupado tão só com médias, com férias, com bolas, com revistas.

Muita gente há, alheia a assuntos de educação, que se admira com ver o latim pleiteado no curso secundário, mal sabendo que ensinar não é ditar e educar não é ensinar. É ensinar dar independência de pensamento ao aluno, fazendo com que de per si progrida: o professor é guia. É educar incutir no estudante o espírito de análise, de observação, de raciocínio, capacitando-o a ir além da simples letra do texto, do simples conteúdo de um livro, incentivando-o, animando-o. No fazer do estudante de hoje o cidadão de amanhã está o trabalho educacional do professor.

Quando o aluno compreender quanta atenção exige o latim, quanto lhe prendem o intelecto e lhe deleitam o espírito as várias formas flexionais latinas, a diversidade de ordem dos termos, a variedade de construções de um período, terá de sobejo visto a excelente cooperação, a real e insubstituível utilidade do latim na formação do seu espírito e a razão de ser o latim obrigatório nos países civilizados.

Ser culto não é conhecer idiomas diversos. Não é o conhecimento do inglês nem do francês que vem comprovar cultura no indivíduo. Tanto o marinheiro, tanto mascate, tanto cigano há a quem meia dúzia de idiomas são familiares sem que, no entanto, possuam cultura.

Não é para ser falado que o latim deve ser estudado. Para aguçar o intelecto, para tornar-se mais observador, para aperfeiçoar-se no poder de concentração de espírito, para obrigar-se à atenção, para desenvolver o espírito de análise, para acostumar-se à calma e à ponderação, qualidades imprescindíveis ao homem de ciência, é que o aluno estuda esse idioma. (...)

Raciocinar é, partindo de ideias conhecidas, diferentes, chegar a uma terceira, desconhecida, e é o latim, quando estudado com método, calma e ponderação, o maior fator para aguçar o poder de raciocínio do estudante, tornando-lhe mais claras e mais firmes as conclusões. (...)

A questão não é o que os meninos vão fazer do latim, MAS O QUE O LATIM VAI FAZER DOS MENINOS.

“Para nós – são palavras do eminente educador, padre Augusto Magne – o que interessa no latim é sua literatura, SUA VIRTUDE FORMADORA DO ESPÍRITO.”

(Excerto do Prefácio do Prof. Napoleão Mendes de Almeida, in GRAMÁTICA LATINA, 24ª Edição, 1992)