terça-feira, 25 de outubro de 2016

262ª Nota - Aquecimento global: uma fraude?


Aquecimento global é a “maior e mais bem sucedida fraude pseudocientífica que eu já vi em minha longa vida de físico” (Prof. Harold Lewis, professor emérito de física da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, renunciou à Sociedade Americana de Física).

O número de títulos do catedrático é enorme. Seguem: Harold Lewis is Emeritus Professor of Physics, University of California, Santa Barbara, former Chairman; Former member Defense Science Board, chairman of Technology panel; Chairman DSB study on Nuclear Winter; Former member Advisory Committee on Reactor Safeguards; Former member, President's Nuclear Safety Oversight Committee; Chairman APS study on Nuclear Reactor Safety Chairman Risk Assessment Review Group; Co-founder and former Chairman of JASON; Former member USAF Scientific Advisory Board; Served in US Navy in WW II; books: Technological Risk (about, surprise, technological risk) and Why Flip a Coin (about decision making)

Eis o texto da carta feita pública pelo próprio professor Harold Lewis.

De: Harold Lewis, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara.
Para: Curtis G. Callan Jr., da Universidade Princeton, presidente da Sociedade Americana de Física.

“6 de outubro de 2010

Caro Curt:

Quando eu ingressei na American Physical Society há sessenta e sete anos, ela era muito menor, muito mais delicada, e ainda não corrompida pela inundação de dinheiro (uma ameaça contra a qual Dwight Eisenhower advertiu há meio século).

Na verdade, a escolha da física como profissão era, então, uma garantia de uma vida de pobreza e de abstinência. Foi a Segunda Guerra Mundial que mudou tudo isso. A perspectiva de ganho mundano levou alguns físicos.

Tão recentemente quanto 35 anos atrás, quando eu presidi o primeiro estudo APS de uma controversa questão social/científica, o The Reactor Safety Study, embora houvesse fanáticos em grande quantidade no exterior não havia indício algum de pressão descabida sobre nós como físicos. Éramos, portanto, capazes de produzir o que eu acredito que foi e é uma avaliação honesta da situação naquele momento.

Estávamos ainda reforçados pela presença de uma comissão de fiscalização composta por Pief Panofsky, Vicki Weisskopf e Hans Bethe, todos eles físicos proeminentes e irrepreensíveis. Fiquei orgulhoso do que fizemos em uma atmosfera carregada. No final, a comissão de fiscalização, no seu relatório ao Presidente APS, observou a total independência em que fizemos o trabalho, e previu que o relatório seria atacado pelos dois lados. Que melhor homenagem poderia haver?

Quão diferente é agora. Os gigantes já não caminham sobre a terra, e a inundação de dinheiro tornou-se a razão de ser de muita pesquisa em física, o sustento vital para muito mais, e fornece o suporte para um número incontável de empregos profissionais.

Por razões que logo ficarão mais claras o meu orgulho em ser um ex-companheiro APS todos esses anos foi virando vergonha, e eu sou forçado, absolutamente sem prazer, a oferecer-lhe minha renúncia da Sociedade.

É claro, o embuste do aquecimento global, com os (literalmente) trilhões de dólares que corromperam muitos cientistas, e levou a APS como uma onda gigantesca.

É a maior e mais bem sucedida fraude pseudocientífica que eu já vi em minha longa vida de físico. Qualquer um que tenha a menor dúvida de que isto é assim deve se esforçar para ler os documentos do Climategate, que a colocam a nu. Eu não acredito que qualquer físico verdadeiro, mesmo o não cientista, pode ler esse material sem repulsa. Eu quase gostaria de fazer dessa repulsa uma definição da palavra cientista.

Então, o que tem feito a APS, enquanto organização, em face desse desafio? Ela aceitou a corrupção como a norma, e se deixou levar por ela. Por exemplo:

1. Há um ano, alguns de nós enviamos um e-mail sobre o assunto para uma fração da sociedade. A APS ignorou os problemas, mas o então presidente iniciou imediatamente uma investigação hostil para saber onde nós obtemos os endereços de e-mail. Em seus melhores dias, APS acostumava incentivar a discussão das questões importantes, e de fato a Constituição fixa isso como seu objetivo principal. Não mais. Tudo o que foi feito no ano passado foi projetado para silenciar o debate.

2. A espantosamente tendenciosa declaração da APS sobre a Mudança do Clima aparentemente foi escrita às pressas por algumas pessoas durante o almoço, e certamente não é representativa dos talentos dos membros da APS como eu os conheço há muito tempo.

Então, alguns de nós pedimos ao Conselho que a reconsidere. Uma das notas de (in)distinção na Declaração foi a envenenada palavra "incontrovertível", que se aplica a poucos pontos na Física, e certamente não à questão climática. Como resposta a APS nomeou um comitê secreto que nunca conheci, que nunca se incomodou em falar com algum "cético", mas, no entanto, aprovou a Declaração na íntegra. Eles admitiram que o tom havia sido um pouco forte, mas, engraçado, eles conservaram a palavra envenenada "incontrovertível" para descrever os fatos, posição que ninguém sustenta. No final, o Conselho manteve a declaração original, palavra por palavra, e aprovou um texto muito mais "explicativo", admitindo que havia incertezas, mas as pondo de lado para dar a aprovação genérica ao original.

A Declaração original, que ainda permanece como a posição APS, também contém o que eu considero um conselho pomposo e asinino a todos os governos do mundo, como se a APS fosse mestre do universo. Não o é, e estou envergonhado que nossos líderes pareça pensar que o é. Isso não é diversão nem jogos, essas são questões sérias que envolvem largos setores de nossa essência nacional, e a reputação da Sociedade enquanto sociedade científica está em jogo.

3. Nesse ínterim, o escândalo do Climategate irrompeu no noticiário, e as maquinações dos principais alarmistas foram reveladas ao mundo. Foi uma fraude em uma escala que nunca vi, e eu não tenho palavras para descrever sua enormidade. Qual foi o efeito sobre a posição APS? Nenhum. Nada mesmo. Isso não é ciência; há outras forças que estão agindo.

4. Então, alguns de nós tentamos atrair a comunidade científica para o fato (que é, afinal, a finalidade histórica pretendida pela APS) e coletamos as 200 assinaturas necessárias para apresentar ao Conselho uma proposta de um grupo de tópicos sobre Ciência Climática, achando que a discussão aberta das questões científicas está na melhor tradição da física, que seria benéfica para todos nós, e também seria uma contribuição para a nação. Eu poderia observar que não foi fácil coletar as assinaturas, uma vez que nos negaram o uso da lista de membros APS. Em qualquer caso nós agimos em conformidade com as exigências da Constituição da APS, e descrevemos com muitos detalhes o que tínhamos em mente, simplesmente para trazer o assunto à tona.

5. Para nosso espanto, a Constituição que se dane, o Sr. se recusou a aceitar nosso pedido, e fez uso de seu próprio poder sobre a lista de discussão para realizar uma pesquisa sobre se os membros tinham interesse numa TG sobre o Clima e o Ambiente. Você perguntou aos membros se eles assinariam uma petição para formar um TG sobre um tema ainda a ser definido e não forneceu formulário para petição alguma, assim você recebeu um monte de respostas afirmativas. (Se você tivesse perguntado sobre sexo teria obtido mais expressões de interesse.) Não saiu, naturalmente, nenhum pedido ou proposta, e você agora lançou um parte do Ambiente, de maneira que toda a questão ficou discutível. (Qualquer advogado teria lhe explicado que você não pode coletar assinaturas para uma petição vaga e, em seguida preencher com o que você quiser.) O objetivo de toda essa manobra foi evitar sua responsabilidade constitucional de encaminhar nossa petição ao Conselho.

6. A partir de então você montou um outro comitê segredo para organizar a sua própria TG, simplesmente ignorando a nossa petição legal.

A direção da APS driblou o problema desde o início, para suprimir a conversa séria sobre o mérito das reivindicações sobre alterações climáticas. Você se espanta que eu tenha perdido a confiança na organização?

Eu sinto a necessidade de acrescentar uma nota, e isso é conjectura, pois é sempre arriscado discutir os motivos das outras pessoas. Esta intriga no quartel geral da APS é tão bizarra que não pode haver uma explicação simples para ela. Alguns defendem que os físicos de hoje não são tão espertos como costumavam ser, mas eu não acho que isso seja um problema.

Eu acho que é o dinheiro, sobre o qual exatamente Eisenhower alertou meio século atrás. De fato, há trilhões de dólares envolvidos, para não falar da fama e da glória (viagens frequentes para ilhas exóticas) para quem é membro do clube. Seu próprio Departamento de Física (do qual é presidente) iria perder milhões por ano se estourasse a bolha de sabão do aquecimento global.

Quando a Universidade Estadual da Pennsylvania absolveu Mike Mann de delito, e a Universidade de East Anglia fez o mesmo com Phil Jones, elas não podiam ter desconhecidas as sanções pecuniárias que sofreriam se fizessem o contrário. Como diz o velho ditado, você não precisa ser um meteorologista para saber para que lado o vento está soprando.

Posto que eu não sou filósofo, eu não vou explorar até que ponto o auto-interesse esclarecido cruza a fronteira da corrupção, porém uma leitura atenta dos noticiário do Climategate deixa claro que esta não é uma questão acadêmica.

Eu não quero parte nenhuma nela, por isso, peço-lhe aceitar a minha demissão. A APS já não me representa, mas espero que ainda nós sejamos amigos.

Hal”


(Fonte: "The Telegraph", October 9th, 2010)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

261ª Nota - Onde está a Igreja visível?


A frase de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre se encontrará a Fé na Terra, quando de sua Parusia, leva-nos a interessantes reflexões. É a Fé que estará quase absolutamente ausente, e consequentemente a caridade e a esperança, porque estas evidentemente decorrem daquela. A crise gravíssima com que hoje nos deparamos é a da Fé. E é pela Fé, extraindo da frase de Cristo, que reconhecemos e constatamos onde se encontra a Igreja visível. Os frutos visíveis reconhecidos da Igreja são aqueles decorrentes da verdadeira Fé. Repito: é pela Fé que reconhecemos a verdadeira Igreja visível, cuja aparência atualmente está ausente ou irreconhecível, como Cristo chagado e crucificado. Observem bem: a Igreja está chagada e crucificada, irreconhecível e aparentemente ausente, mas JAMAIS, NUNCA herética e heretizante, ou instrumentalizada pelos hereges, porque isto contraria totalmente a indefectibilidade da Igreja. As portas do Inferno jamais prevalecerão contra Ela, e admitir que os hereges são a hierarquia da Igreja de Cristo, é admitir que as portas do Inferno prevaleceram contra Ela. Pois se são eles que a governam, logo, são eles que prevaleceram. Aliás, a visibilidade da Igreja não está na absoluta constatação visual ou aparente de todos os fieis ou de muitos ou mesmo de poucos; a visibilidade da Igreja se fundamenta na promessa de Cristo. Portanto, a visibilidade da Igreja não está restrita à constatação feita por mim nem por ninguém, mas fundamentada na Sua promessa de que estará conosco até a consumação dos séculos. Se exigíssemos a visibilidade como Santo Tomé, teríamos que responder onde se encontrava a visibilidade exterior e universal da Igreja quando em Pentecostes? A Igreja deixaria de ser visível pelo fato de ninguém a tê-la visto no norte nem no sul, no leste nem no oeste? Como ficaria a visibilidade da Igreja no oriente chinês e japonês quando da ausência mais que secular da hierarquia eclesiástica?
Hoje não vemos a hierarquia visível da santa Igreja, mas sabemos – pelas promessas – que Ela existe e estará presente até a consumação dos séculos. Vemo-la como a viam Moisés e os Profetas o Messias esperado, ou seja, na Fé, mesmo que humanamente tudo conclame para que pensemos o oposto. Por isso, a importância de cada um de nós estudar a Fé, a verdadeira Fé, e transmiti-la. A Fé da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério da Igreja até Pio XII. É esta – acredito – a mais importante incumbência do católico de hoje: ter a Fé na noite escura!

“A Igreja, sociedade sem dúvida sempre visível, será cada vez mais reduzida a proporções simplesmente individuais e domésticas.” (Cardeal Pio, em “Le chrétien au combat pour le règne de Dieu”, 1859) 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

260ª Nota - O neototalitarismo e a morte da família


O GÊNERO COMO FERRAMENTA DE PODER

A assim chamada “teoria” (“enfoque”, “olhar” etc.) de “gênero” é, na realidade, uma ideologia. Provavelmente a ideologia mais radical da história, já que, se fosse imposta, destruiria o ser humano com seu núcleo mais íntimo e simultaneamente acabaria com a sociedade. Além disso, é a mais sutil porque não procura se impor pela força das armas – como, por exemplo, o marxismo e o nazismo –, mas utilizando a propaganda para mudar as mentes e os corações dos homens, sem aparente derramamento de sangue.

No entanto, como todas as ideologias, no seu devido tempo, desaparecerá sem deixar rastro, exatamente por sua intrínseca falsidade. Deixará atrás de si, obviamente, um caudal de vítimas – pessoas e sociedades frustradas e infelizes. Que o mal seja maior ou menor dependerá do que você e eu fizermos. Ainda que seja um trabalho de divulgação, apresento cada uma de suas teses, com o apoio de citações dos cultuadores do gênero, conferindo-lhe objetividade.

Como toda ideologia, não procura a verdade nem o bem dos outros, mas busca somente a conquista de suas vontades para utilizá-las com um fim espúrio. Portanto, a ideologia de gênero é necessariamente ambígua. Utiliza o engano como um meio imprescindível para alcançar sua finalidade. A razão é óbvia: aquele que pretende usar os outros em seu próprio benefício não pode dizê-lo abertamente. Assim como o pedreiro usa os tijolos, o balde e a colher, do mesmo modo o ideólogo utiliza o engano como ferramenta diária de trabalho.

Esse corpo ideológico, por suas limitações intelectuais, não poderia pretender sair de pequenos círculos esotéricos a não ser pela manipulação da linguagem, visando uma verdadeira lavagem cerebral, ao estilo sectário, mas com dimensões globais. Esta tática é aplicada através de um movimento envolvente, utilizando para isso os meios de propaganda (1) e o sistema educacional formal. A estratégia possui três etapas: a) A primeira consiste em utilizar uma palavra da linguagem comum, mudando-lhe o conteúdo de forma subreptícia; b) depois a opinião pública é bombardeada através dos meios de educação formais (a escola) e informais (os meios de comunicação de massa). Aqui é utilizado o velho vocábulo, voltando-se, porém, progressivamente ao novo significado; e c) as pessoas finalmente aceitam o termo antigo com o novo conteúdo.

Esta ideologia possui várias locuções utilizadas para habilmente manipular a linguagem. A principal delas é a palavra que a denomina, isto é, o vocábulo gênero. Além disso, utiliza numa complexa articulação, outros termos convenientes para completar a argumentação ideológica. Entre eles, destaco os seguintes: opção sexual, igualdade sexual, direitos sexuais e reprodutivos, saúde sexual e reprodutiva, igualdade e desigualdade de gênero, “empoderamento” da mulher, “patriarcado”, “sexismo”, “cidadania”, “direito ao aborto”, gravidez não desejada, “tipos” de família, “androcentrismo”, “casamento homossexual”, sexualidade polimórfica, “parentalidade”, “heterossexualidade obrigatória” e “homofobia”. Como se pode ver, trata-se de uma nova linguagem, de características esotéricas, cuja função é assegurar a confusão.

Na linguagem, o gênero masculino, feminino ou neutro das palavras é definido de maneira arbitrária, isto é, sem ter relação alguma com a sexualidade. Por exemplo: a palavra mesa é do gênero feminino e o copo é do gênero masculino, sem que em  nenhum dos casos exista conotação sexual alguma. Extrapolando isso aos seres humanos, pretende-se sustentar que existe um sexo biológico, com o qual nascemos e, portanto, é definitivo; mas, ao mesmo tempo, toda pessoa poderia construir livremente seu sexo psicológico ou gênero.

No começo são usados os termos sexo e gênero de modo intercambiável, como se fossem sinônimos e depois, quando as pessoas já se acostumaram a utilizar a palavra gênero, vai se acrescentando imperceptivelmente o novo significado de “sexo construído socialmente”, como contraposição ao sexo biológico. O processo final será simples mortais falando de gênero como uma autoconstrução livre da própria sexualidade, ainda quando isso não seja possível. E a afirmação de que o impossível é possível, manifesta a “lavagem cerebral” de boa parte da sociedade.

Segundo esta ideologia, a liberdade para “construir” o próprio gênero deve ser interpretada como sinônimo de uma autonomia absoluta. E esta, em dois sentidos simultâneos: 1º) cada um interpreta o que é ser homem e o que é ser mulher como queira, interpretação que o sujeita, além disso, poderá variar quantas vezes achar conveniente; e 2º) cada pessoa pode, escolher aqui e agora, se quer ser homem ou mulher – com o conteúdo subjetivo que ela mesma tenha dado a esses termos – e mudar de decisão quantas vezes quiser. Deve-se ressaltar que não somente cada um poderia definir sem limite algum o conteúdo da masculinidade ou feminilidade, como também poderia pô-lo em prática sem nenhum limite. Essa escolha absolutamente autônoma é denominada opção sexual.

Na “construção” do gênero, portanto, intervém também a percepção que o resto da sociedade tem sobre o que é ser homem ou ser mulher. E isso cria uma dupla interação: por um lado, cada pessoa com sua concepção do gênero influi no que cada pessoa percebe como conteúdo do gênero. Por isso se afirma que o gênero seria o “sexo construído socialmente”. Como veremos mais adiante, este jogo de palavras não é inocente: primeiro, é oferecido às pessoas a ilusão da autonomia absoluta em matéria sexual; porém,  depois disso, aqueles que detêm o poder real são os que escolhem – como lhes convenha – o modo como os que carecem de poder poderão exercer a sexualidade.

Outro aspecto que destaco nesta breve introdução é que, se o gênero fosse construído autonomamente, não teria sentido e, mais ainda, as concepções da complementaridade dos sexos e a norma da heterossexualidade para o casamento seriam ideias perniciosas. O casamento seria uma opção para aqueles que o desejassem, mas seria apenas mais uma opção, com o mesmo valor que a coabitação sem compromissos, as relações ocasionais, a prostituição, a homossexualidade, a pederastia, o bestialismo etc. Cada qual escolheria livremente o que deseja e o que gosta.

E não só ninguém deveria impedi-lo como o próprio Estado deveria facilitar os meios para que cada pessoa satisfizesse seus instintos sexuais ao seu gosto, minimizando o risco de uma gravidez não desejada ou de contrair uma doença sexualmente transmissível. A única limitação tolerável seria a proibição das relações sexuais não consentidas – e seria permitido a todo adolescente dar um consentimento válido a qualquer forma de trato genital. Esse exercício sem limites e os meios para evitar as gravidezes e doenças de transmissão sexual são denominados direitos sexuais e reprodutivos. Paralelamente, a saúde sexual e reprodutiva seria o exercício sem limites da sexualidade apetecida por cada um, sem contrair nenhuma doença.

A desigualdade de gênero é a que ocorre quando os homens estão a cargo da vida pública, do poder político e do trabalho, e as mulheres, da vida privada, da procriação e da educação dos filhos. A função doméstica – e em especial a que exercem ao conceber – impede as mulheres de participar na vida pública e, portanto, de compartilhar o poder. Por isso, a maternidade é vista como um mal intrínseco pelo feminismo radical que reivindica o direito ao aborto.

O empoderamento da mulher tenderia a superar a desigualdade de gênero ao torná-la participante do poder público, do trabalho e da vida pública.

A igualdade de gênero, ao contrário, não é a igualdade de dignidade e de direitos entre mulheres e homens. A igualdade de gênero significa que nós, mulheres e homens, seríamos iguais, mas no sentido de sermos idênticos, ou seja, absolutamente intercambiáveis. Isso é uma consequência do pressuposto antropológico segundo o qual, todo ser humano poderia – com absoluta autonomia – escolher seu próprio gênero, já que este vale igualmente tanto para homens como para mulheres. Por isso, a diferença biológica sexual é percebida quase como uma provocação ao confronto – mulheres boxeadoras ou soldados – e não como um chamado à complementaridade.

Outros vocábulos que integram esta ideologia são o sexismo e a homofobia. O sexismo seria qualquer limite imposto à conduta sexual; por exemplo, a proibição da prostituição, da pornografia, da esterilização voluntária da homossexualidade etc., todas estas seriam leis sexistas. Se cada um constrói seu gênero autonomamente, sem restrição alguma, é tão válido ser heterossexual como homossexual, bissexual, transexual, travesti, transgênero e tudo o que conceba a imaginação mais fecunda.

Finalmente, a homofobia seria considerar que as relações naturais entre os seres humanos são as relações heterossexuais, pois isso implicaria ter fobia à igualdade – entendida como identidade – entre os gêneros...

Ao leitor não deve passar despercebido que “o apoio à Agenda de Gênero vem de grupos ativistas, todos de certa forma interrelacionados ou com interesses comuns, mas de alguma maneira distinguíveis: 1) controladores de população; 2) libertários sexuais; 3) ativistas dos direitos dos homossexuais; 4) os que apoiam o multiculturalismo ou promovem o politicamente correto; 5) ambientalistas extremistas; 6) progressistas neomarxistas; 7) pós-modernistas ou desconstrucionistas. A Agenda de Gênero tem também o apoio de liberais influentes nos governos e de certas corporações multinacionais.”

Já foi dito, em tom de testemunha: “Com frequência me solicitam que explique em trinta segundos o que vi no Cairo e em Pequim. Correndo o risco de simplificar, respondo que observei que nas Nações Unidas habilitam pessoas que acreditam que o mundo necessita de :
1)    Menos pessoas;
2)    Mais prazer sexual;
3)    Eliminação das diferenças entre homens e mulheres;
4)    Que não existam mães em tempo integral.
Estas pessoas reconhecem que aumentar o prazer sexual poderia aumentar o número de bebês e de mães; portanto, sua receita para a salvação do mundo é:
1)    Anticoncepcionais grátis e aborto legal;
2)    Promoção da homossexualidade (sexo sem bebês);
3)    Curso de educação sexual para promover a experiência sexual entre as crianças e ensiná-las como obter contraceptivos e abortos, que a homossexualidade é normal e que homens e mulheres são a mesma coisa;
4)    Eliminação dos direitos dos pais, de forma que estes não possam impedir as crianças de fazer sexo, educação sexual, anticoncepcionais e abortos;
5)    Cotas iguais para homens e mulheres;
6)    Todas as mulheres na força de trabalho;
7)    Desacreditar todas as religiões que se oponham a esta agenda.
Esta é a ‘perspectiva de gênero’ e pretendem ‘implementá-la’ em todos os programas, em todos os níveis e em todos os países” (O’Leary, Dale, “La Agenda de Género. Redefiniendo la igualdad”, Ed. Promesa, São José, Costa Rica, 2007, págs. 33.).

A ideologia de gênero, por ser falsa e antinatural, em última análise, não convence e só pode ser implantada de forma totalitária. Trata-se, em definitiva, da tentativa de impor uma nova antropologia, que é a origem de uma nova cosmologia e que provoca uma mudança total nas pautas morais da sociedade.

(JORGE SCALA, em IDEOLOGIA DE GÊNERO)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

259ª Nota - A Igreja Católica no Brasil


A MENTALIDADE IDEOLÓGICA CATÓLICA EM BUSCA DE IDENTIDADE NO BRASIL

A Cristandade como mentalidade ideológica

A separação da Igreja com o Estado veio possibilitar um viver próprio, independente do poder civil:

“A separação da Igreja e do Estado esperamos que não há de produzir entre nós todos os seus funestos efeitos. A Igreja tem uma vitalidade, capaz de resistir às maiores provações. Ela não precisa para existir do apoio dos príncipes. Tem um viver próprio, todo seu, independente do poder civil. (...)

“O Estado tem por alvo um fim meramente natural, que se realiza e completa aqui na terra, e ele atinge tal fim quando, provendo a ordem, a paz, a prosperidade pública, consegue encaminhar os seus súditos à posse da felicidade temporal.” (...)

“O Papa, em toda a Igreja, sem dependência alguma, e os bispos, sob a dependência do Papa, nas suas respectivas dioceses, exercem esse tríplice poder em ordem ao fim eterno a que deve a Igreja conduzir os seus membros; e cumpre não esquecê-lo, no exercício desse poder, que lhe foi divinamente conferido, ela não deve ao Estado a mínima subordinação. Se a Igreja, notai bem, ainda não cessa de reclamar dos poderes do século o reconhecimento de sua plena autonomia e a sua liberdade de ação no regime das almas, – direitos que lhe não podem ser recusados sem a mais flagrante injustiça, –  ela não cessa ao mesmo tempo de acentuar a distinção dos dois poderes e de proclamar a independência da sociedade civil na órbita de suas atribuições temporais.”(...)

“Mas independência não quer dizer separação. É mister que esta verdade fique bem compreendida. A sociedade religiosa e a sociedade civil, com serem perfeitamente independentes e distintas entre si, têm entretanto um ponto de contato: é a identidade dos súditos que elas devem encaminhar para o fim próprio de cada um. Donde se segue que estas duas sociedades não são, não devem ser antagônicas. Os cidadãos que constituem a sociedade civil são, com efeito, identicamente os mesmo fiéis que fazem parte da sociedade religiosa, por outra, os membros do Estado são ao mesmo tempo os membros da Igreja. Aquele os conduz à felicidade do tempo, esta à da eternidade. Ora, tendo cada uma destas sociedades um poder supremo, um governo, instituições, leis, magistrados, para a consecução de seu fim peculiar, e exercendo cada uma a sua ação dentro da esfera circunscrita pela sua natureza própria, segue-se que os membros de que elas se compõem recebem o impulso de uma dupla virtude operativa, são regidos por um duplo princípio ordenador, em uma palavra, estão sujeitos a uma dupla jurisdição. Cidadãos, devem obediência às leis do Estado; fiéis, devem obediência às leis da Igreja, a que estão sujeitos os mesmos cidadãos; e, vice-versa, querer que a Igreja exerça a sua jurisdição sobre os fiéis sem olhar sequer para o Estado de que são igualmente súditos os mesmos fiéis, é um sistema este, aos olhos do senso comum e da mais vulgar equidade, injusto em si e impossível na prática.” (Carta Pastoral de 1890) (...)

“Com efeito todos os germens de destruição religiosa, que incubavam no seio do Império, se desenvolveram instantaneamente, produziram frutos de morte na formação da nossa República. Proclamou esta logo a liberdade de cultos, nivelando a Igreja Católica, única divina, com as superstições inventadas pelos homens, que só servem para arrastar as almas à perdição eterna. Proclamar tal liberdade de cultos é declarar que Jesus Cristo vale tanto como Mafoma, e o Catolicismo tanto como o Budismo e os inventos de Confúcio. Reparai bem como é tratado o Senhor do mundo no país, que além de lhe pertencer como Soberano Senhor que é de tudo, lhe pertence  pela posse tomada desde o seu nascimento, pelos singulares favores e particular providência, com que o tem sempre protegido!” (Carta Pastoral de 1900) (...)

“Não vemos nas escolas, desde as ínfimas até as superiores, erguerem-se cátedras de pestilência a exalar os seus miasmas deletérios, e enquanto nesses santuários poluídos da ciência os professores do ateísmo pervertem a incauta mocidade sedenta de saber, não vemos outros emissários do mal, não menos criminosos, apoderarem-se da imprensa, e por meio dela corromperem o povo e desnortearem o espírito público?” (Carta Pastoral de 1890) (...)

“Fugiu a confiança da sociedade, extinguiu-se o respeito à autoridade em si, dissolve-se a harmonia nas famílias, multiplicam-se com pavorosa frequência homicídios, roubos, sacrilégios e outros crimes nefandos, de que anteriormente havia apenas notícia; o interesse material, e às vezes sórdido, parece ser o móvel único dos atos públicos e particulares, sem se fazer caso nenhum da justiça, do dever, da consciência, nem de Deus, sintoma manifesto de dissolução social; porque faltando a religião, segue-se a destruição do povo”. (Carta Pastoral de 1900) (...) 

José Carlos Sousa Araújo (Igreja Católica no Brasil – Um estudo de mentalidade ideológica, Edições Paulinas – 1986)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

258ª Nota - Sofismas dos Dominicanos de Avrillé contra o Sedevantismo


Primeiro argumento (ad hominem) do “Pequeno Catecismo contra o Sedevacantismo”: se assim fosse, “toda a Igreja Católica havia desaparecido nesse momento...” ( * )

Escrevem os dominicanos de Avrillé (dA): “em realidade, se aceitássemos este raciocínio, teríamos que dizer que toda a Igreja Católica desapareceu nesse momento, e que ‘as portas do inferno prevaleceram contra ela’. Pois o ensinamento do magistério ordinário universal é o de todos os bispos, de toda a Igreja docente”.
Como vemos, o argumento é sempre o da indefectibilidade da Igreja; é um argumento sério e importante que não é exclusivo dos dA: qualquer partidário do Vaticano II poderia utilizá-lo contra todos aqueles que o acusam de haver errado (incluído também os dA).
Como pode, pois, negar uma doutrina ensinada pela unanimidade moral dos bispos católicos, a saber, da Igreja docente?
Se assim fosse, deveríamos concluir – como os dA nos reprova – que a Igreja em seu conjunto abandonou a Fé, o qual é contrário ao dogma da indefectibilidade da Igreja (ainda que numerosos teólogos lefebvristas o afirmem abertamente, como os já citados padres B. e S.).
Claro que não é esta a nossa posição: nós cremos na indefectibilidade da Igreja... e portanto também em sua infalibilidade!
Em consequência, respondemos aos dA: eles teriam razão se sustentássemos que a autoridade do Vaticano II é a do magistério ordinário universal (que é infalível). Porém na realidade sustentamos que a autoridade do Vaticano II deveria ser a do magistério ordinário universal. Seria se Paulo VI fosse Papa. Porém, como Paulo VI não foi Papa, tampouco o Vaticano II é magistério ordinário universal, e portanto não é infalível. 
A esta resposta se objetará assinalando a autoridade dos outros bispos que subscreveram o Vaticano II.
A resposta é que todos os bispos não são infalíveis sem o Papa.
Objetar-se-á ainda que uma vez realizadas as condições da infalibilidade, se deve aderir ao ensinado pela Igreja docente, e não concluir, ao contrário, na legitimidade do assim ensinado.
Respondemos que a objeção se aplica a uma matéria que não foi infalivelmente definida pela Igreja docente, como o é, por exemplo, a liberdade religiosa.
Objetar-se-á que se Paulo VI e todos os bispos erraram na fé, então a Igreja inteira defeccionou e as portas do inferno prevaleceram. Respondemos ad hominem que este argumento também se aplica contra Mons. Lefebvre. Logo respondemos – contra os seguidores de Mons. Lefebvre – que a objeção é válida precisamente se se crê que Paulo VI e os bispos unidos com ele tinham a autoridade e representavam verdadeiramente a Igreja docente: é neste caso que a Igreja perdeu sua infalibilidade e sua indefectibilidade. Respondemos também que o conjunto da Igreja docente é infalível (como o Papa), porque do contrário – se pudesse errar – todos a seguiriam no erro. Agora, no nosso caso, este erro não é possível precisamente porque as matérias sobre as quais os padres conciliares erraram já foram definidas pela Igreja docente, daí a possibilidade para os fiéis de dar-se conta do erro e de não seguí-lo: como de fato sucedeu, já que houve bispos, sacerdotes e fieis que não seguiram o ensinamento do Vaticano II, alguns implicitamente, outros explicitamente.
Podemos concluir, logo de um atento exame, que o argumento – por certo tão delicado – da indefectibilidade da Igreja resulta particularmente embaraçoso para quem segue, como os dA, a posição de Mons. Lefebvre, e não para quem segue a posição de Mons. Guérard des Lauriers.
( * ) Se o Papa, os cardeais, os bispos, etc., estão privados de sua ‘forma’, não há mais hierarquia visível na Igreja.

(Extraído de http://www.sodalitiumpianum.it/le-sel-de-la-terre-y-el-sedevacantismo/)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

257ª Nota - Maníacos fatalistas


Consideremos, primeiramente, o caso mais evidente de materialismo. Como uma explicação do mundo, o materialismo tem uma espécie de louca simplicidade, e a sua argumentação é, precisamente, a de um doido. Temos a sensação de que ela abrange tudo e, ao mesmo tempo, deixa todas as coisas de fora. Se observarmos qualquer arguto e sincero materialista, como, por exemplo, o senhor Mc Cabe, teremos exatamente essa sensação ímpar. O seu cosmos pode ser completo em cada rebite ou em cada roda dentada, mas, ainda assim, é um cosmos menor do que o nosso mundo. De qualquer forma, o seu esquema, como o lúcido esquema do louco, parece inconsciente das energias alheias e da grande indiferença da Terra; não se ocupa das coisas reais da Terra, tais como as lutas dos povos, o orgulho das mães, o primeiro amor ou o medo do mar. A Terra é tão grande e o cosmos é tão pequeno. O cosmos é quase o menor buraco onde o homem pode esconder a cabeça. (...)

O Cristianismo admite que o Universo é multiforme e, por vezes misto, exatamente como o homem normal admite a própria complexidade. O homem são sabe, perfeitamente, que há em si qualquer coisa de animal, de demônio, de santo e de cidadão, chegando mesmo a admitir, quando é verdadeiramente são, que há em si alguma coisa de louco. Mas o mundo do materialista é perfeitamente simples e sólido, exatamente como o louco está convencido de que é uma criatura perfeitamente sã. O materialismo julga que a história tem sido, simples e unicamente, uma cadeia de causalidade, como aquele interessante indivíduo, a quem há pouco nos referimos, que estava convencido de que era, simples e unicamente, um verdadeira frango. Os materialistas e os doidos nunca têm dúvidas.

As doutrinas espiritualistas não limitam a mente, como as negativas materialistas. Se acredito na imortalidade, não preciso pensar nela; mas, se não acredito, não devo pensar sobre isso. No primeiro caso, o caminho está aberto e eu posso ir tão longe quanto me apraz; no segundo, o caminho está fechado. O caso, porém, é ainda mais marcante e o paralelo com a loucura é ainda mais estranho. A nossa questão contra a exaustiva e lógica teoria dos lunáticos era que tal teoria, bem ou mal, destruía gradualmente a sua humanidade: agora, a acusação que lançamos contra as principais deduções dos materialistas é que tais deduções, bem ou mal, destroem gradualmente a sua humanidade. Não me refiro apenas à bondade, mas, também, à esperança, à coragem, à poesia, à iniciativa, enfim, a tudo quanto é humano. Quando, por exemplo, o materialismo arrasta os homens para o mais absoluto fatalismo (como geralmente acontece), será absolutamente inútil pretender que ele seja, de qualquer forma, uma força libertadora. É absurdo afirmar que estamos avançando no que diz respeito à liberdade, quando nos servimos do pensamento livre somente para destruir o livre arbítrio. Os deterministas amarram, não libertam. Por essa razão bem podem chamar à sua lei a cadeia de causalidade, pois se trata da pior cadeia que tem agrilhoado a Humanidade. (...) 

Observo que é uma verdadeira fraude afirmar-se que o fatalismo materialista é, de certo modo, favorável ao perdão e à abolição de castigos cruéis ou de castigos de qualquer espécie. Tal afirmação é exatamente o contrário da verdade. É perfeitamente sustentável que a doutrina do determinismo não altera absolutamente em nada as coisas. Aquele que castiga continua a castigar, e o amigo bondoso continua a dar os seus conselhos. Se, porém, o determinismo tiver influências sobre algum deles, é sobre o que dá conselhos. O fato de os pecados serem inevitáveis não evita o castigo; se evita alguma coisa, é precisamente, a persuasão. O determinismo não é incompatível com o tratamento cruel dos criminosos; aquilo com o que ele talvez seja incompatível é com o tratamento generoso dos criminosos, com qualquer apelo que se possa fazer a seus melhores  sentimentos ou com qualquer espécie de estímulo à sua luta moral. O determinista não acredita no apelo à vontade, mas acredita na mudança de ambiente. Ele nunca poderá dizer ao pecador: “vai e não peques mais”, porque o pecador não pode deixar de pecar. Mas pode metê-lo em uma panela de azeite fervendo, porque esse azeite será um novo ambiente. Considerado, portanto, como uma figura, o materialista tem o fantástico contorno da figura de um doido. Ambos ocupam uma posição que é, ao mesmo tempo, irrespondível e insustentável.

(G. K. CHESTERTON, em ORTODOXIA)

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

256ª Nota - A educação infantil na Idade Média


No Brasil, a Idade Média ainda é citada por muitos néscios como um tempo de ignorância e barbárie, um tempo vazio, um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Império Romano para dominar o “povo”. Nesse movimento consciente e ideológico em direção às trevas, o clero teve como aliado principal a nobreza feudal. Juntos, nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e malévolos todo o ocidente medieval, que permaneceu assim envolto em uma escuridão de mil anos, soterrado, amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante.

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficará agradavelmente surpreso, espero, com o tema desse trabalho, que não poderia ser mais propício. Minhas perguntas básicas serão: existiu educação na Idade Média? E ciência? E as crianças? É incrível, mas há quase quarenta anos atrás o próprio Jacques Le Goff perguntou: “teria havido crianças no Ocidente Medieval?” Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariès, ele buscou a criança na arte e não a encontrou. É verdade. Apressadamente concluiu então que a criança foi um produto da cidade e da burguesia e, portanto, o mundo rural não a conheceu. Pior: a conheceu sim, mas a desprezou, marginalizando-a.

Deixo claro então que minha perspectiva será bastante diferente. Responderei sim a todas àquelas perguntas, opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariès. Para provar isso, dividi minha narrativa em duas partes: primeiro, busquei a condição infantil registrada pela História na Alta Idade Média (séculos V-X) para, a seguir, tratar da estruturação das ciências que Ramon Llull (1232-1316) apresentou a seu filho Domingos quando, em um ato de puro amor paterno, escreveu um livro para ele, a Doutrina para crianças.

Falei há pouco de amor paterno. O amor é uma forma muito profunda e especial de afeto, difícil de ser descrito, difícil de ser registrado a não ser nas emoções daqueles que o compartilham. Por isso, a História registra sempre o que se veste, onde se vive, o que se come, mas dificilmente narra como se ama, especialmente a intensidade e a forma do amor. Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crônicas, por exemplo - estão mais atentos aos acontecimentos importantes, aos personagens e à política. Assim, ofereceram pouco espaço para o mundo infantil, deixando muitas perguntas que não puderam ser respondidas satisfatoriamente. Por exemplo: como pais e filhos exprimiam seus carinhos, suas incompreensões? De que forma as crianças apreenderam o mundo existente? Como reagiram à escola e aos estudos?

De qualquer maneira, o fato é que, historicamente, o papel da criança sempre foi definido pelas expectativas dos adultos, e esse anseio mudou bastante ao longo da história, embora a família elementar e o amor tenham existido em todas as épocas. Vejamos então o caso medieval.

A primeira herança da Antiguidade não é na da boa: a vida da criança no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai. O poder do “pater familias” era absoluto: um cidadão não tinha um filho, o tomava. Caso recusasse a criança - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada. Essa prática era tão recorrente que o direito roma no se preocupou com o destino delas. E o que acontecia à maioria dos enjeitados? A morte.

A segunda herança que a Idade Média herda da Antiguidade, a cultura bárbara, foi-nos passada especialmente por Tácito. Ele nos conta que a tradição germânica em relação às crianças era um pouco melhor que a romana. Os germanos não praticavam o infanticídio, as próprias mães amamentavam seus filhos e as crianças eram educadas sem distinção de posição social. O povo germânico era composto por um conjunto de lares, com dois poderes distintos: o matriarcal, exercido no seio da família, e o patriarcal, predominante na política e na organização social. No entanto, o destino das crianças naqueles clãs, como na cultura romana, também dependia da vontade paterna (direito de adoção, de renegação, de compra e venda). A criança aceita ficava aos cuidados dos par entes paternos (“agnatos”) e o destino dos bastardos, órfãos e abandonados era entregue aos parentes maternos, especialmente a tios e avós maternos.

Dessas duas tradições culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Média, concluo que o “status” da criança naquelas sociedades antigas era praticamente nulo. Sua existência dependia do poder do pai: se fosse menina ou nascesse com algum problema físico, poderia ser rejeitada. Seu destino, caso sobrevivesse, era abastecer os prostíbulos de Roma e o sistema escravista. Até o final da Antiguidade as crianças pobres eram abandonadas ou vendidas; as ricas enjeitadas - por causa de disputas de herança - eram entregues à própria sorte.

Nesse contexto histórico-cultural é que se compreende a força e o impacto do cristianismo, que rompeu com essas duas tradições. O Cristo disse:

Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus. Aquele, portanto, que se tornar pequenino como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus. (Mt. 18, 1-4).

A tradição cristã abriu, portanto, uma nova perspectiva à criança, uma mudança revolucionária. No entanto, foi um processo bastante lento, um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja. Primeiro, por força das circunstâncias. Por exemplo, dos séculos V ao VIII, na Normandia, o índice de mortalidade infantil era muito elevado, 45%, e a expectativa de vida bem pequena, 30 anos. À primeira vista, esses dados arqueológicos pode riam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a criança: a regularidade da morte poderia criar nos espíritos de então uma apatia, um medo de se apegar a algo tão frágil que poderia morrer à primeira doença.

Paradoxalmente, ao invés disso, a documentação nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos, apesar da mortalidade infantil. Em sua “História dos Francos”, Gregório de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentação de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico), quando da morte de crianças:

Essa epidemia que começou no mês de agosto a tacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte. Nós perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas, a quem nós havíamos aquecido em nosso peito, carregado em nossos braços ou nutrido por nossa própria mão, lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [...] O rei Chilperico também esteve gravemente doente. Quando entrou em convalescença, seu filho mais novo, que não era ainda renascido pela água e pelo Espírito Santo, caiu enfermo. Assim que melhorou um pouco, seu irmão mais velho, Clodoberto, foi atingido pela mesma doença, e sua mãe Fredegunda, vendo-o em perigo de morte e se arrependendo tardiamente, disse ao rei: “A misericórdia divina nos suporta há muito tempo, nós que fazemos o mal, porque sempre ela nos tem advertido através das febres e outras doenças, mas sem que nos corrijamos. Nós perdemos agora os nossos filhos, eis que as lágrimas dos pobres, as lamentações das viúvas e os suspiros dos órfãos os matam e não nos resta esperança de deixar os bens para ninguém. Nós entesouramos sem ter para quem deixar. Os tesouros ficarão privados de possuidor e carregados de rapina e maldições! Nossas adegas não abundam em vinho? Nossos celeiros não estão repletos de trigo? Nossos tesouros não estão abarrotados de ouro e de prata, de pedras preciosas, de colares e outras jóias imperiais? Nós perdemos o que tínhamos de mais belo! Agora, por favor, venha! Queimemos todos os livros de imposições iníquas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotário.” (Gregório de Tours, “Historiae”,V, 34)

Pois bem. Fredegunda, uma das mulheres mais cruéis da História, apesar de filha de seu tempo bárbaro, chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo. Mesmo nessa aristocracia merovíngia rude e cruel – no pior sentido da palavra – há espaço para amor materno.

Por sua vez, fora do mundo secular, um espaço social lentamente impôs uma nova perspectiva à educação infantil: o monacato. Os monges criaram verdadeiros “jardins de infância” nos mosteiros, recebendo indistintamente todas as crianças entregues, vestindo-as, alimentando-as e educando-as, num sistema integral de formação educacional.

As comunidades monásticas célticas foram as que mais avançaram nesse novo modelo de educação, pois se opunham radicalmente às práticas pedagógicas vigentes das populações bárbaras, que defendiam o endurecimento do coração já na infância. Pelo contrário, ao invés de brutalizar o coração das crianças para a guerra e a violência, os monges o abriam para o amor e a serenidade.

As crianças eram educadas por todos do mosteiro até a idade de quinze anos. A Regra de São Bento prescreve diligência na disciplina: que as crianças não apanhem sem motivo, pois  “não faças a outrem o que não queres que te façam.” Toco aqui em um ponto importante e de grande discussão na História da Educação. O sistema medieval e monástico previa a aplicação de castigos. Na Bíblia há passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos; na Regra de São Bento há várias passagens (punição com jejuns e varas, pancadas em crianças que não recitarem corretamente um salmo), e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna, que, no entanto, não levou em consideração as circunstâncias históricas da época. Por exemplo, Manacorda interpreta os castigos do período antigo e medieval como puro sadismo pedagógico, linha de interpretação que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que, por esse motivo, buscava a solidão do mosteiro.

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que não condizem com a postura de um historiador sério. Basta buscar os textos de época que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados, criados e educados. Darei apenas dois breves exemplos. Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infância, São Cesário de Arles (c. 470-542) diz:

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braços de seu afeto. Como uma mãe ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens, ela se esforçou para me educar e me alimentar.

Por sua vez, Walafried Strabo (806-849), então jovem monge, nos conta em seu “Diário de um Estudante”:

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifícios do convento (...) fiquei muito contente pelo grande número de companheiros de vida e de jogo, que me acolheram amigavelmente. Depois de alguns dias, senti-me mais à vontade (...) quando o escolástico Grimaldo me confiou a um mestre, com o qual devia aprender a ler. Eu não estava sozinho com ele, mas havia muitos outros meninos da minha idade, de origem ilustre ou modesta, que, porém, estavam mais adiantados que eu. A bondosa ajuda do mestre e o orgulho, juntos, levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas, tanto que após algumas semanas conseguia ler bastante corretamente (...) Depois recebi um livrinho em alemão, que me custou muito sacrifício para ler mas, em troca, deu-me uma grande alegria...

Esses são apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro. Assim, devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana, o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele, para então construirmos um juízo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos.

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais, basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educação e disciplina voltada para uma formação ética e moral das crianças - com o mundo exterior. Por exemplo, no período carolíngio (séculos VIII a X), apesar do avanço da implantação da família conjugal simples (modelo cristão) com uma média de 2 filhos por casal e um período de aleitamento de dois anos, a prática do infanticídio continuava comum, a idade média dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade), a poligamia e a violência sexual eram recorrentes, pelo menos na aristocracia e ainda havia a questão da escravidão de crianças. Confronte você, caro leitor, essa realidade com a vida de uma criança em um mosteiro.

Por sua vez, os bispos carolíngios do século IX tentaram regulamentar o casamento cristão, redigindo uma série de tratados (espelhos). Neles, o casamento era valorizado, a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em pé de igualdade com o marido e a violência sexual denunciada como crime grave e do âmbito da justiça pública. Para o nosso tema, o que interessa é que as crianças também foram objeto de reflexão nesses espelhos: a maternidade foi considerada um valor (“charitas”) e o casal tinha a obrigação de aceitar e reconhecer os filhos.

Assim, a ação da ordem clerical foi dupla: de um lado, os bispos lutaram contra a prática do infanticídio, de outro, os monges revalorizaram a criança, que passou por um processo de educação direcionada, de cunho integral e totalmente igualitária – por exemplo, as escolas monacais carolíngias davam preferência a crianças filhas de escravos e servos ao invés de filhos de homens livres, a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem também para educar crianças filhas de homens livres. Estes séculos da Alta Idade Média foram cruciais para a implantação do modelo de casamento cristão conhecido por todo o mundo ocidental, para a valorização da mulher como parceira e igual do marido e para a ideia de criança como ser próprio e com necessidades pedagógicas específicas. Por fim, a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (“ordo conjugatorum”), e a criança tinha um papel fundamental nessa estrutura, pois era o fim último da união.

Mulher, criança, minorias revalorizadas na Idade Média em relação à Antiguidade. Para completar esse quadro compreensivo, quero responder à terceira pergunta feita no início: qual era o conceito de educação que alicerçava esse novo sistema pedagógico medieval? Essa é uma resposta relativamente mais simples. Para os homens da época, as palavras eram transparentes: havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimológico delas. Os intelectuais de então diziam que o homem é um ser que esquece suas experiências. Ele consegue resgatá-las através da linguagem. Assim, a expressão educação era entendida como estando associada à sua raiz etimológica latina: “educe”, “fazer sair”. Como o conhecimento já existia inato no indivíduo, restava responder à seguinte pergunta: de que modo o estudante era conduzido da ignorância ao saber? Como o aluno aprendia? Essa era a questão básica dos educadores medievais. Preocupados com a forma da aquisição, os pedagogos de então tiveram uma importante consciência: cabia ao professor “acender uma centelha” no estudante e usar seu ofício para formar e não asfixiar o espírito de seus alunos. Muito moderna a educação medieval!

(Ricardo da Costa, Prof. Adjunto de História Medieval da UFES)