quarta-feira, 18 de maio de 2016

191ª Nota - Vamos à palavra de dom Sanborn ( II )



O bispo W. afirma corretamente: “O que os bispos do mundo ensinam, em união com o Papa, é o Magistério Universal Ordinário da Igreja, que é infalível.” Ele propõe então o argumento dos sedevacantistas de que, dado que o Vaticano II tem sido promulgado pelos “papas” e “bispos” do Vaticano II, é impossível que eles sejam verdadeiros Papas e bispos. O bispo W. responde a isto dizendo que o Magistério Ordinário Universal do Vaticano II e anos subsequentes não esteve de acordo com a Tradição. Logo, não é magistério ordinário universal. Logo, o argumento dos sedevacantistas é falso.

Resposta. A noção que o bispo W. tem do Magistério Ordinário Universal (a ordem usual das palavras; doravante: MOU) é falsa. Vem de uma teoria que era comumente propagada em Ecône quando lá estive, de que um ensinamento não qualificava como MOU se não estivesse em conformidade com a Tradição. Logo, nessa visão, é possível que o Romano Pontífice junto do inteiro corpo dos bispos ensine uma doutrina à Igreja inteira que, de fato, seja herética. Uma afirmação dessas é que é herética!

Em parte alguma, a ideia econiana de fazer a triagem do MOU pode ser encontrada nos livros-texto de teologia dogmática ou no ensinamento da Igreja Católica. A definição de MOU dada pelo Pe. Reginald-Maria Schultes O.P., escrevendo em 1931, é a seguinte: “O magistério ordinário e universal é exercido quando a Igreja prega a doutrina revelada, ensina-a em suas escolas, publica-a através dos bispos, e a atesta e explica através dos Padres da Igreja e dos teólogos.” [1. Schultes, Reginald-Maria, De Ecclesia Catholica Prælectiones Apologeticæ (Paris: Lethielleux, 1931), p. 355.] Todos os teólogos católicos concordam nesta definição.

O Pe. Sylvester Berry escreve:

“A autoridade docente ordinária dos bispos é aquela que eles exercem ao ensinarem os fiéis de suas respectivas dioceses mediante cartas pastorais, sermões proferidos por eles próprios ou por outros aprovados para esse fim, e mediante catecismos ou outros livros de instrução publicados e aprovados por eles. Quando os bispos da Igreja, empenhados desse modo no dever de instruir seu povo, são praticamente unânimes em proclamar uma doutrina de fé ou costumes, diz-se que eles exercem a autoridade docente universal, e são então infalíveis quanto a esta doutrina. Noutras palavras, uma doutrina de fé ou moral na qual praticamente todos os bispos da Igreja concordem é infalivelmente verdadeira. A fé da Igreja discente deve corresponder à fé proposta pelos bispos que constituem o corpo docente na Igreja. Logo, se os bispos como um corpo não fossem infalíveis, a Igreja toda poderia ser induzida em erro a qualquer momento, e destarte cessar de ser a Igreja de Cristo, a coluna e o fundamento da verdade.” [2. Berry, Sylvester, D.D., The Church of Christ (Saint Louis: B. Herder, 1927), pp. 466-467.]

Para provar ainda mais o que estou dizendo, chamo vossa atenção para o livro-texto de teologia dogmática escrito pelo Pe. Francis Diekamp em 1917, intitulado Theologiæ Dogmaticæ Manuale. Ele afirma:

“Os bispos individuais exercem o supramencionado magistério ordinário na sua instrução religiosa ordinária ou em instruções desse tipo que ocorram por ordem sua e sob sua vigilância, e em juízos publicados pelos Soberanos Pontífices e dados por escrito, em Sínodos sejam provinciais ou diocesanos, na condenação de erros feita em cartas pastorais, na publicação de catecismos ou livros de devoção que são distribuídos à diocese toda, etc.

Os livros litúrgicos prescritos pelos bispos e especialmente pelos Romanos Pontífices são de grande importância em argumentos tocantes ao dogma. As leis, ritos e orações neles contidas dão testemunho da fé dos pastores e dos fiéis. Do consenso, com que todas as igrejas ocidentais e orientais concordam na fé, advém obrigação de prestar o assentimento de fé. O Papa Celestino I [422-432] ensinou isto: “Olhemos também para os mistérios sagrados das orações dos sacerdotes, que foram transmitidas desde os Apóstolos e são uniformemente celebradas no mundo todo e em todas as igrejas católicas, a fim de que a lei da oração fixe a lei da crença.” (Epist. 21, 11)

A doutrina dos bispos considerados conjuntamente, exatamente como a definição ex cathedra do Romano Pontífice, não é tornada infalível pelo assentimento que a Igreja discente dá a ela; pelo contrário, é infalível por si mesma em razão da assistência divina, pela qual é preservada de erro.”

A doutrina exposta por esses autores, bem como a descrição do MOU, estão em conformidade com a de todos os teólogos católicos. Ultrapassa o escopo deste artigo aduzir todas as provas.

A noção de MOU do bispo W., por outro lado, não pode ser encontrada no livro de nenhum teólogo católico, nem no magistério da Igreja. A ideia de MOU do bispo W. exige que o ensinamento universal da Igreja seja analisado e adjudicado pelos fiéis quanto à sua conformidade com a Tradição. Num tal cenário, é inteiramente possível que a hierarquia ensine heresia num dado ponto qualquer, mas que a infalibilidade e indefectibilidade da Igreja sejam preservadas pela própria rejeição desse magistério, com base em os fiéis não o encontrarem conforme à Tradição. Isso é tão absurdo como dizer: “a Igreja Católica é infalível exceto quando erra.” Ademais, o sistema dele requer que os fiéis formem o juízo de se aceitam ou não aceitam o magistério ordinário universal, baseados numa convicção pessoal de que ele está em conformidade com a Tradição ou não está. Noutras palavras, os fiéis devem peneirar o ensinamento da Igreja universal, toda vez que ela se pronuncia, a fim de distinguir a verdade do erro. Como já disse, uma tal noção de magistério despoja o Papa e a Hierarquia de sua autoridade e a desloca para o indivíduo, já que ele tem a última palavra quanto a se a doutrina está ou não está conforme à Tradição.

O que o bispo W. diz sobre a Tradição também poderia ser atribuído à Escritura. E se eu pensar que algum ato do magistério da Igreja não é compatível com a Sagrada Escritura? Tenho então o direito de rejeitá-lo, ao mesmo tempo que considerando o papa negador da Escritura como verdadeiro Vigário de Cristo?

A arrepiante realidade é que as ideias do bispo W. estão em exata conformidade com aquilo que o herege arquimodernista Hans Küng disse em seu livro de 1970 intitulado Infalível? Uma Interpelação. Nele, Küng diz que a infalibilidade da Igreja não está atrelada a fórmulas dogmáticas, as quais, diz ele, na realidade podem estar erradas, mas sim ao comprometimento global e duradouro da Igreja com a verdade. Küng afirma:

“A infalibilidade, a inenganabilidade nesse sentido radical, significa, portanto, uma permanência fundamental da Igreja na verdade, que não é anulada por erros individuais.” [3. Küng, Hans, Infallibility? An Inquiry (Garden City, New York: Doubleday, 1971), pág. 181.]

“Mas ser verdadeira, por parte da Igreja, não depende absolutamente de proposições infalíveis bem definidas, mas em permanecer ela na verdade através de todas as — mesmo errôneas — proposições.” [4. Ibid., pág. 182.]

Ele cita Yves Congar, outro arquimodernista no Concílio:

“Uma ou outra parte da Igreja pode errar, até mesmo os bispos, até mesmo o papa; a Igreja pode ser chacoalhada pelas tempestades: no fim, ela permanece fiel.” [5. Citado em ibid., pág. 183.]

E a seguinte afirmação de Küng se assemelha bem de perto à posição do bispo W.:

“Onde, então, nesses tempos sombrios, a indefectibilidade da Igreja foi realmente manifestada? Não na hierarquia nem na teologia, mas entre aqueles inumeráveis e em sua maioria desconhecidos cristãos — e sempre houve alguns bispos e teólogos no meio deles — que, mesmo nos piores períodos da Igreja, ouviram a mensagem cristã e tentaram viver de acordo com ela na fé, no amor e na esperança.” [6. Ibid., pág. 189.]

“Foram eles as verdadeiras testemunhas da verdade de Cristo…” [7. Ibid.]

Küng cita os cismáticos orientais, a fim de provar sua tese:

Os patriarcas cismáticos escreveram a Pio IX em 1848: “Entre nós, nem Patriarcas nem Concílios jamais lograram introduzir novos ensinamentos, pois o guardião da religião é o próprio corpo da Igreja, ou seja o próprio povo (laos).” [8. Apud ibid., pág. 200.]

Küng cita o teólogo russo cismático Alexei Khomiakov, que diz:

“A constância invariante e verdade inerrante do dogma cristão não depende de nenhuma ordem hierárquica; ela é guardada pela totalidade, pelo inteiro povo da Igreja, que é o Corpo de Cristo.” [9. Apud ibid., página 201.]

Nos Trinta e Nove Artigos anglicanos, lê-se: “Assim como as Igrejas de Jerusalém, de Alexandria e de Antioquia erraram; assim também a Igreja de Roma errou, não somente em sua conduta e forma cerimonial, mas também em questões de fé.”

O bispo W. não consegue escapar do acordo com esses hereges protestantes, pois mantendo ele que a hierarquia modernista é a hierarquia católica, ele não tem como fugir da conclusão de que “a Igreja de Roma errou”. Em contrapartida, o sedevacantista mantém que os falsos ensinamentos e práticas do Vaticano II não vêm da Igreja de Roma, mas de um grupo de mafiosos eclesiásticos, hereges, que estão simulando ser a hierarquia católica. O dever do católico nesta crise é desmascarar esses impostores, e denunciá-los como falsos hierarcas.

É verdade que devemos comparar todas as coisas, ditas por quem quer que seja, com o ensinamento tradicional da Igreja. De igual maneira, comparamos com os primeiros princípios da razão tudo aquilo que ouvimos, e imediatamente rejeitamos o que for contraditório. Num caso como o nosso, em que vimos a aparente hierarquia católica ensinar falsa doutrina e promulgar falso culto e leis pecaminosas, é necessário concluir que eles não são verdadeiros papa e bispos, dado que é impossível que verdadeiros papa e bispos, tomados como um todo, façam uma coisa dessas. A defecção do Vaticano II com relação à verdade, e seu ensinamento de heresia à Igreja universal, são sinal infalível de que Paulo VI não era verdadeiro papa, e nunca foi um verdadeiro papa. Pois toda a autoridade de qualquer concílio geral depende do Papa.

A doutrina que acabo de expor está inteiramente concorde com a Sagrada Escritura, na qual São Paulo, em Gálatas I, 8-9, afirma: “Mas ainda que nós, ou um anjo do céu, vos pregue um evangelho além daquele que nós vos pregamos, seja anátema. Como eu já disse, digo novamente agora: Se alguém vos pregar um evangelho, além daquele que vós recebestes, seja anátema.” Note-se que ele não os manda peneirar o docente de falsidades à cata de migalhas de boa doutrina, mas pelo contrário, manda que eles o rejeitem por completo. Seja anátema. Esta doutrina está em conformidade também com a bula do Papa Paulo IV Cum ex Apostolatus de 1559, que convoca à completa rejeição de um Romano Pontífice que se descubra ser herege, e não à triagem da doutrina dele.

Resumindo minha resposta: O magistério ordinário universal, que é o ensinamento referente à fé e à moral de todos os bispos espalhados pelo mundo inteiro, junto do Romano Pontífice, é infalível. Esta doutrina foi definida no Concílio Vaticano de 1870, e está no Código de Direito Canônico de 1917. Logo, é herético até mesmo pôr em dúvida aquilo que é ensinado pelo magistério ordinário universal. Se o que aparenta ser o magistério ordinário universal contradiz o ensinamento da Igreja, então a conclusão necessária é que isso não pode ter vindo da verdadeira hierarquia da Igreja Católica, pois eles são assistidos por Cristo a não cometerem erros a esse respeito. É contrário à constituição da Igreja rejeitar o magistério ordinário universal como falso, ao mesmo tempo que aceitando a hierarquia que o promulga como sendo a verdadeira hierarquia Católico-Romana. A noção de magistério ordinário universal do bispo W. é falsa, e extremamente perigosa, pois leva o católico a crer que a inteira Igreja docente, o Romano Pontífice com todos os bispos, seja capaz de ensinar erro em matérias que são da alçada da fé. Portanto, os princípios do bispo W. concernentes ao magistério ordinário universal não podem ser usados contra os argumentos em prol do sedevacantismo, já que os princípios dele são falsos.