terça-feira, 10 de maio de 2016

185ª Nota - Resposta a uma objeção



O sedevacantismo faz “triagem de papas”?

Fez-se uma objeção à minha recente réplica ao bispo W. É uma objeção que frequentemente se faz contra os sedevacantistas. Objeta-se que os sedevacantistas não podem criticar a FSPX por fazer a triagem do magistério, já que eles próprios estão fazendo a triagem dos papas. Encontrando discrepância entre o magistério pré-Vaticano II e o magistério pós-Vaticano II, os sedevacantistas meramente depõem papas que eles constatam carecer de ortodoxia. Mas eles não têm autoridade para fazer isso. Logo, ao mesmo tempo que os sedevacantistas objetam à “peneiração do magistério”, eles próprios estão envolvidos em “peneiração de papa”, o que dá no mesmo.

Antes de tudo, como disse em meu artigo, todo católico deve comparar tudo o que ele escuta com o magistério anterior da Igreja, inclusive novos atos do magistério mesmo, dado que o magistério fixa os dogmas da Igreja, que são objeto de nossa fé. Então, uma vez que a Igreja tenha se pronunciado sobre qualquer questão dogmática ou moral, o pronunciamento dela fica gravado no mármore. Nada, daí em diante, pode contradizê-lo legitimamente. Mesmo papas estão vinculados ao magistério precedente.

A assistência do Espírito Santo à Igreja assegura que todo ato do magistério da Igreja estará em conformidade com o magistério anterior. Ademais, pelo dom da indefectibilidade, o Espírito Santo assiste à Igreja de tal maneira, que nenhuma disciplina ou lei universal, quer seja ela litúrgica ou outra, poderia prescrever algo pecaminoso.

Logo, havendo contradição entre o magistério anterior e o presente magistério, o católico tem de ficar do lado do magistério anterior, que não é alterável de maneira alguma, e é objeto da sua virtude de fé. Assim fazendo, o católico é obrigado a enxergar o “magistério” contraditório como não derivado da hierarquia que é assistida pelo Espírito Santo. Pois é impossível que uma hierarquia, assim assistida, possa promulgar uma coisa dessas. Logo, a contradição que se encontra no novo “magistério” tem de ser vista como um sinal infalível de que ele não procede de uma hierarquia divinamente assistida. Logo, a promulgação das heresias do Vaticano II por Paulo VI é sinal infalível de que ele não possuía a autoridade papal, nem jamais o fez, já que ele teria sido assistido de tal maneira a evitar a promulgação de heresia e erro.

Pode-se dizer o mesmo das leis e disciplinas. Se os tradicionalistas estão dizendo que a nova liturgia é má, e que os novos sacramentos são inválidos ao menos em alguns casos, e que o Código de Direito Canônico de 1983 contém leis pecaminosas, então eles estão implicitamente asseverando que é impossível que essas coisas procedam de uma hierarquia divinamente assistida. A conclusão é o sedevacantismo.

Note-se que o tradicionalista não pode evitar a conclusão do sedevacantismo sem negar implicitamente a assistência do Espírito Santo à Igreja, o que seria realmente herético.

O grave erro da FSPX e do bispo W. é, precisamente, dizer que o Papa e a Hierarquia Católica como um todo é capaz de contradizer o magistério anterior, e é capaz de promulgar liturgias más, disciplinas más e leis más para toda a Igreja, destarte criando e promulgando toda uma nova e falsa religião. A solução, dizem eles, é passar o magistério, liturgia, disciplinas e leis conciliares e pós-conciliares pelo crivo, para obter o que eles julgam tradicional, ao mesmo tempo que reconhecendo os promulgadores da religião falsa como a legítima hierarquia católica. Isso significa que a hierarquia católica infalível promulgou universalmente heresia e erro, assim como liturgia má, leis más e disciplinas más. Só que isso é contrário à fé.

Portanto, a fé exige de nós, não que coemos o magistério e disciplinas faltosos, mas que rejeitemos os promulgadores como falsa hierarquia, isto é, como uma hierarquia que não têm a autoridade de ensinar, de governar e de santificar a Igreja.

Os sedevacantistas não estão depondo ninguém, dado que não têm autoridade alguma para o fazer. Assim, na tese do bispo Guérard des Lauriers, os fiéis podem e devem dizer somente que a hierarquia Novus Ordo carece de autoridade, pelas razões aduzidas, mas não está – nem pode ser – deposta, salvo por uma autoridade legítima.

O sedevacantismo, como eu disse em meu artigo, segue aquilo que S. Paulo diz aos fiéis gálatas no primeiro capítulo dessa Epístola. Se alguém, incluindo um anjo ou ele mesmo, pregar uma doutrina diferente daquela que ele pregou, seja anátema. Ele não diz: peneirem a doutrina falsa para reter as migalhas tradicionais. Noutras palavras, se o pregador viesse a contradizer o magistério precedente, ele deveria ser totalmente rejeitado, e não “aceito, mas peneirado”. Assim também, Paulo IV convoca à plena rejeição do eleito papa que calhe de ser um herege. Os fiéis têm o mandamento, não de peneirar a doutrina dele para reter o que for verdadeiro, mas de considerá-lo um falso papa.

Portanto, se com “triagem de papas” se quer dizer que os fiéis católicos devem rejeitar como falso um pregador de doutrina falsa, ainda que ele porventura fosse o próprio S. Paulo, nesse caso os sedevacantistas se confessam culpados, pois isso é o que S. Paulo e a Igreja Católica exigem que façamos. “Triagem de papas” é, na realidade, o termo errado. “Triagem de herege” é mais exato, isto é: peneirar a hierarquia à cata de hereges, coisa que a Igreja sempre fez. Pois nenhum herege pode ser verdadeiro Papa.

O bispo W. quereria transferir a assistência do Espírito Santo, do Papa e Hierarquia, para os fiéis que creem, assegurando assim a infalibilidade do magistério por meio do consentimento e aceitação dos fiéis. Nesse sistema, pode-se ter um Papa e uma Hierarquia em defecção, mas ao mesmo tempo uma Igreja infalível e indefectível.

Diz um ditado que não se pode comer o bolo e tê-lo inteiro ao mesmo tempo. Já nesse sistema, por assim dizer, pode-se ter o seu papa e devorá-lo ao mesmo tempo!
_____________ 


Rev. Donald J. SANBORN, Resposta ao Bispo W. sobre a Vacância da Sé Romana, fev. 2014; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, mar. 2014, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-2eY