O Jumento na História, Religião,
Economia, Folclore, Literatura
Humberto
de Campos, em ‘Destinos’, páginas 29 a 32, escreve interessante diálogo que
transcrevemos aqui, como valioso subsídio literário.
Um
Gênio cansado de habitar o Espaço, resolveu fixar domicílio na Terra, e nela
pousou, um dia. Desceu em uma planície, por onde passava um lenhador puxando o
seu burro pelo cabresto, fê-los parar, a fim de lhes pedir informações sobre o
mundo em que viviam.
O
Gênio – Qual foi de vós, neste planeta, o que inventou a Guerra?
O
Burro – (indicando o homem com o focinho) – Foi ele, senhor.
O
Gênio – Qual é, dos dois, o que ajuda o outro?
O
Homem – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual é o que conduz ao dorso os peregrinos cansados?
O
Burro – Sou eu, senhor.
O
Gênio – Qual é, dos dois, o que mata os outros animais para lhes comer a carne?
O
Homem – Sou eu, senhor.
O
Gênio – Qual é o que engaiola os pássaros, privando-os da liberdade?
O
Burro – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual foi o que conduziu Jesus de Nazaré ao Egito, vencendo léguas no
deserto?
O
Homem – Foi ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que levou Jesus, de novo, a Jerusalém, para pregar a palavra
divina?
O
Homem – Foi ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que O injuriou, e O crucificou?
O
Burro – Foi ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que se alimenta com a relva do chão, e não pede a Deus senão
isso?
O
Homem – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que mata os outros animais, para lhes tirar a pele a fim de
enfeitar-se com ela?
O
Burro – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual, dos dois, o que é modesto e resignado?
O
Homem – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual é o que se embriaga?
O
Burro – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual é o que não tem ambições, e se satisfaz com que Deus lhe dá?
O
Homem – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual, dos dois, inventou a forca?
O
Burro – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que puxa o arado?
O
Homem – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que come o pão, que o outro moeu?
O
Homem – Sou eu, senhor.
O
Gênio – Qual o que se contenta humildemente com a palha?
O
Burro – Sou eu, senhor.
O
Gênio – Qual o que tem a boca cheia de pragas e blasfêmias contra Deus?
O
Homem – Sou eu, senhor.
O
Gênio – Qual o que perfura a terra em busca do ouro que Deus enterrou?
O
Burro – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que espetou a vela no tronco da madeira, para morrer no mar?
O
Homem – Fui eu, senhor.
O
Gênio – Qual o que é, na vida, o exemplo da mansidão e candura?
O
Homem – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que incendeia as florestas, destruindo as forças vivas da
Natureza?
O
Burro – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que explora e rouba os seus semelhantes, dividindo-os em ricos,
que destroem o trigo, e em pobres que morrem sem pão?
O
Burro – É ele, senhor.
O
Gênio – Qual o que escraviza os seus irmãos, atirando-os, nos campos de
batalha, uns contra os outros?
O
Homem – Sou eu, senhor.
O
Gênio – Qual o que tem existência mais simples, e na conformidade das leis da
Natureza?
O
Burro – Sou eu, senhor.
O
Gênio – Qual, por ter vida honrada, e pura, é Rei da Criação, e se considera,
na Terra, a imagem de Deus? (Para o burro): – És tu, não é verdade?
O
Burro – Não; é ele, senhor.
A
essas palavras, o Gênio suspendeu o voo e foi habitar outro planeta.
(Padre Antônio Vieira)